Via Franca

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terça-feira, 7 de julho de 2020

Quarentena - 7º dia


Sete de abril... Terça-feira...
Dia difícil, com muitos perrengues por conta das limitações dele, o que dificultava muito a locomoção até o banheiro... O fato de ficar tentando reter a urina, poderia causar infecções que, no seu estado, poderiam trazer muitos agravantes.
Lembramos da passagem dele pelo Rio de Janeiro, em 1959, quando tinha de 22 para 23 anos...
Ele sempre foi apaixonado pela carreira militar, desde criança, passando pelo serviço militar obrigatório no Tiro de Guerra de Franca, mas o seu grande objetivo era ingressar na Marinha...
Junto com outros amigos de Franca, se alistou e foi para a então capital do país (Brasília só foi inaugurada em 1960), alojando-se no quartel da Penha...
Eu achava engraçado quando ele contava que ao ser questionado se sabia nadar, havia perguntado se precisava ser um bom nadador, já que esperava que a Marinha tivesse barcos, rsrs... Eu amava esse espírito gozador dele.
Disse que foi muito diferente do que esperava... Não conseguiu se adaptar... Os seus comandantes diretos, não gostavam dos paulistas na corporação... Eram cerca de 300 que, segundo ele, sofriam muito por ser de São Paulo, com cargas de serviço exageradas, não atendimento de pedidos para visitar familiares, hostilidade dos outros praças e oficiais, entre outras coisas.
Mas, a situação dele, especificamente, mudou bastante quando conseguiu ganhar a admiração e confiança do Capitão Eronildes... Contou-me que a tropa estava toda em formação quando o comandante anunciou que precisava de três voluntários para descarregar um caminhão de sacas de arroz que havia chegado... Ninguém, repito, ninguém se prontificou... Apenas o meu pai, se voluntariou, afinal de contas, ele havia trabalhado por anos no Atacadista Abrão Jorge, em Franca e sempre ajudava os "chapas" a descarregar caminhões, quando não estava muito ocupado organizando o estoque (ele sempre foi muito solícito e camarada)... O capitão escolheu mais duas pessoas e os três finalizaram o trabalho... Como recompensa ganharam folgas, algo muito raro naquela força armada, no final da década de 50.
Inclusive, nessa folga, ele não tinha autorização para visitar a família em Franca, mas foi... Não só não avisou o comando, como viajou fardado, o que não era permitido (era a única forma de não pagar as passagens de trem, pois o soldo não era muito).
Pensou que tinha dado uma volta nos seus superiores, mas um delator fez ele ser descoberto, mas mesmo assim continuou querido pelo Capitão Eronildes... Inclusive, foi destacado para a "Polícia da Marinha", aliviando um pouco o excesso de trabalho que tinha... 
Era interessante ouvir dele, que ao sair para se divertir nas noites do Rio de Janeiro, tinha horário para entrar no quartel, por isso quando não conseguia chegar até o fechamento do portão, tinha que dormir nos trens da Central do Brasil até dar a hora de entrada, no dia seguinte... Dizia que tinha muito medo de cruzar com os malandros, bons de briga e sempre armados com navalha, que não gostavam de fardados e, na peleja, sempre que escondiam ambas as mãos, era recomendado correr, pois não havia como saber qual delas viria com a arma branca, ao buscar o oponente...
Dizia também que chegou a treinar no Olaria, em curtas folgas que tinha e uma das histórias que eu mais curtia era ouvir que o time chegou a ser convidado para participar de um jogo treino no Maracanã, contra a seleção brasileira, mas dias antes da partida, não tivera permissão para sair do serviço... Até hoje, eu penso nessa frustração de um cidadão que amava futebol, rsrs...
A barra pesada na vida na caserna até era suportável, mas o meu pai sempre contava que as injustiças que ele presenciava mexiam muito com ele... Estava aquartelado, mas o objetivo dele sempre foi seguir carreira na Marinha Mercante e sempre foi desestimulado, pois além de não ser descendente de oficiais, era também "muito moreno" para conseguir chegar a postos maiores... Se emocionava muito ao lembrar disso e sempre contava a história de um negro que passou em primeiro lugar no concurso, mas foi reprovado no "exame de saúde"... 
Por tudo isso, não aguentou permanecer... Quando quis "pedir baixa", junto com outros paulistas da região de Franca, ficou sabendo que teria que cumprir três anos, antes da dispensa... Não suportaria.
Daí, aconselhado pelo Capitão Eronildes, que gostava muito dele, foi até o Ministério da Marinha, onde foi aconselhado por um tenente de extrema confiança do oficial a fazer bagunça, causar transtornos na caserna, tornar-se indesejado para ser dispensado pela própria corporação... Só tinha que tomar cuidado para não fazer algo grave que pudesse gerar alguma detenção... 
E assim, El Cid e seus camaradas paulistas arranjaram muita confusão até serem desligados da corporação...
A Marinha perdeu um excelente marinheiro, quiçá um oficial maravilhoso, mas a zaga do Caramuru teve de volta o seu "becão" de responsa...
Ahh, pai, eu sempre acreditei que o senhor estava presente no Maracanã, no dia 13 de maio de 1959, quando o Júlio Botelho levou um estádio lotado das vaias aos aplausos... Neste jogo contra a Inglaterra, em comemoração ao título mundial da seleção brasileira, do ano anterior, fez a plateia ficar irada com a não escalação do seu maior ídolo, na época, o Garrincha (estava fora de forma), ao mesmo tempo que viu o ponta direita do Palmeiras, Julinho, dar um verdadeiro espetáculo... E, o meu pai estava lá...




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