Via Franca

Via Franca

quarta-feira, 29 de julho de 2020

Quarentena - 29º dia


Vinte e nove de abril... Quarta-feira...
O grande barato é a felicidade dele quando os netinhos vem visitá-lo... Parece que ele fica até mais forte... Dá uma alegria imensurável observar como a nossa caçulinha, a Dudinha, curte fazer graça para o meu pai. Ele pede para ela fazer carinho nele e ela atende, prontamente... Gosta de chamar o vovô para passear no quarteirão ou andar de carrinho na praça do bairro... E entende que agora o vovô não pode ir... Daí, pega os seus brinquedos, espalha tudo no chão da sala (onde o meu pai fica a maior parte do tempo, nesta fase de convalescência) e fica por horas brincando e tagarelando com ele...
Ele sempre gostou da presença de crianças e, desde sempre, foi muito carinhoso e atencioso conosco, seus filhos.
Desde o nascimento da Isa, sua primeira netinha, há dez anos, voltamos a ter crianças em casa. Observando a maneira como ele sempre cuidava dos netinhos, lembrou-me muito o amor que eu e as minhas irmãs recebíamos de El Cid, desde sempre. Inclusive, a relação do apelido dele, Cid, de Edercides, com o título de "Sidi" (senhor, em árabe dos mouros), mais a relação com o lendário herói ibérico medieval, o genuíno "El Cid", vem da minha imaginação infantil, relacionando-o às proezas do cavaleiro de capa e espada... Tempos depois, pude conhecer a história do mitológico espanhol, em um livro que era do meu próprio pai (uma edição de bolso, parecida com aquelas da saudosa Ediouro, da década de 70) e, daí para frente, o seu "Edercides" transformou-se, para mim, em "El Cid".
Sempre com a ajuda da minha mãe, ele conseguiu sair do nada e construir uma família digna, com um pequeno patrimônio obtido de maneira totalmente honesta, fruto de um trabalho intenso (junto com a minha mãe, mais uma vez, é importante o reforço), que podemos usufruir até hoje, com prazer e gozo comum.
Atualmente, vejo muitos pais "super protetores", tentando criar uma bolha, uma redoma, que possa poupar os filhos de qualquer sofrimento ou frustração. É uma característica dessa nova geração, a qual me enquadro... O objetivo maior deles é poupar as suas crias das características negativas da convivência em sociedade... Se fosse possível, eles só transmitiriam alegrias para os seus filhos... Com El Cid e a minha mãe, dona Elenice, foi diferente... A tristeza nos foi apresentada desde cedo e sempre. Cenas ruins e exemplos de desigualdade não nos eram escondidos. A prioridade sempre foi a alegria, mas quando acontecia algum imprevisto desagradável, uma situação frustrante ou até mesmo a morte de parentes ou conhecidos não éramos poupados da conversa ou da sua apresentação, "in loco"... Mostrar-nos o lado triste da vida nunca foi crueldade ou "falta de tato", pelo contrário, tinha a intenção de desenvolver em nós a compaixão e a solidariedade... Na nossa casa sempre tivemos amor e um senso claro de justiça, mas este lance de poder enxergar a vida como ela é, de fato, foi fundamental para moldar o nosso caráter... 
Nunca nos deixaram de lado... O que um fazia, todos faziam. Sempre viajávamos juntos, jamais ficava alguém para trás. Quando só podia viajar o casal, eles não iam... Ou saíamos todos juntos ou eles não iam.
Ele, junto com a dona Elenice, desenvolveu em nós, o sentido exato do termo "família".
"Tutu Marambá, não venha mais cá, que o pai da menina te manda pegar..." Assim, dormíamos mais calmos. Sentíamos protegidos... Até pouco tempo atrás, eu já com quase cinquenta anos, um metro e noventa, mais de cem quilos, ao ouvir algum barulho, gritava "paaiii"... Esta sensação de segurança, só mesmo um lendário herói, como El Cid, pode proporcionar... O meu herói, o nosso exemplo vivo.



Nenhum comentário:

Postar um comentário