Via Franca

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quarta-feira, 22 de julho de 2020

Quarentena - 22º dia


Vinte e dois de abril... Quarta-feira...
O trato com as dificuldades cotidianas do meu pai já uma rotina... E ele é muito positivo, bem humorado o que torna mais fácil a lida... Sem falar, que sempre tem muitas histórias.
Uma vez, quando adolescente, li um livro de um escritor francês, que contava a história de um menino, Tistu, com "polegar verde", em que tudo que ele tocava, brotava flores.
Eu sempre associei está história ao meu pai. Ele tinha este dom também...
Por onde viajávamos ele recolhia sementes, que fazia germinar nos fundos da nossa casa e, depois, plantava na nossa chácara, em Cristais Paulista.
Até hoje, temos no pomar inúmeras espécies de laranjeiras e limoeiros, acerolas, pitangas, atemóia, bananeiras, fruta do conde, seriguela, jambo, jambolão, romãs, inúmeros coqueiros, lima da pérsia (que, para nós, caipiras, é só lima mesmo), carambolas, tamarindos, abacates de todas as qualidades, cajueiros (que nunca frutificaram, rsrs), graviolas, mangueiras de diversas qualidades (o orgulho dele era uma que ele chamava de "presidente", sem fibras e muito doce e tenra), mais de uma dezena de jabuticabeiras, mamão, araçá, goiabeiras, abacaxi, lichias, amoras, marmelo, nêsperas (para nós ameixa, mesmo), caquis, maracujás, peras, mexericas, etc, etc, etc... A maioria plantada ou cuidada diretamente por ele.
Daí, desenvolveu também uma das suas características mais marcantes, que era a de produzir deliciosos sucos, frapês e vitaminas de frutas, além de licores extremamente disputados pelos familiares e amigos.
Além de metódico, o nosso Tistu era extremamente curioso... Aprendeu sozinho, pois não usava a internet, a retirar e congelar polpas para os sucos em épocas que não estavam na safra de determinadas frutas... Então, tínhamos no freezer que fica na copa da nossa casa, compartimentos e mais compartimentos de frutas e polpas congeladas, que faziam a alegria de todo mundo.
O orgulho dele era o suco de graviola, já que é algo exótico na nossa região e que ele fazia ficar bem grosso, com um sabor marcante pela maneira que conservava congelada a fruta. Todos, sem exceção amavam a iguaria branca e leitosa, bem adoçada com açúcar cristal.
As acerolas eram lavadas e contadas antes de irem para o saquinho que seria congelado. No número exato de sessenta... Depois, com um canudinho plástico, retirava o ar de dentro da embalagem, um bom nó era feito e ia direto para o congelamento... O suco produzido era de um vermelho hipnótico.
O meu preferido era o de tamarindo... Descascado, fervido, retirava-se as sementes e depois guardava aquela pasta que fazia o mais saboroso néctar que um ser humano poderia provar...
E assim, fazia com várias, mas só aquelas frutas que eram colhidas na chácara... Nunca produziu polpas de algo que veio de fora, sem a certeza que era totalmente orgânico, livre de venenos, tão comuns na nossa agricultura.
Chegou até mesmo a tentar fazer vinho... Até que por uns dois ou três anos ficou muito saboroso, bem encorpado e frutado, mas depois que um fungo atacou a sua parreira, desistiu (a qualidade das uvas caiu muito)...
Outra produção que sempre foi muito disputada pelos mais velhos da família e pelos amigos, era o licor de jabuticaba... Se orgulhava de fazer um "sem álcool", pois não acrescentava cachaça, apenas deixava as frutinhas curtirem no açúcar. distribuía até para os parentes evangélicos. até que entendeu que o álcool era produzido pela fermentação da fruta com o açúcar (na realidade, eu sempre desconfiei que ele sabia disso e pregava uma grande peça na parentada, rsrs). O detalhe é que o licor ficava delicioso... Vou repetir: DELICIOSO.
Este dom foi passado para mim, mas ainda não desenvolvi a maestria de atingir os sabores que ele conseguia, pois não é só misturar fruta, água e açúcar... Segundo ele, até o tempo que o liquidificador fica ligado, altera o sabor do suco. Lenda ou não, ainda não consegui superá-lo...
Um dia, espero ser reconhecido pelas minhas irmãs e sobrinhos, como um "suqueiro" de responsa, igual a El Cid...


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