Via Franca

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sexta-feira, 15 de janeiro de 2016

"Spotilight - Segredos Revelados" e o jornalismo verdadeiro

Ontem assisti o filme "Spotilight - Segredos Revelados" e saí do cinema bem indignado...
Apesar do tema da película já ter motivo suficiente para isso, pois trata da pedofilia de padres católicos na tradicional diocese de Boston, nos Estados Unidos (acho que o tema ficou mais chocante no chileno "O Clube"), confesso que o que me fez mais pensar foi a questão do quanto é importante para um país democrático, o jornalismo independente e investigativo.
A história do filme é verídica e bem conhecida, pois resultou em vários processos contra a igreja nos Estados Unidos, já que trata de jornalistas que mesmo com a pressão de pessoas ligadas à Igreja Católica na conservadora cidade de Boston, investigaram casos de pedofilia e denunciaram não só o abuso dos padres como também a omissão da instituição religiosa em coibi-los (o cardeal da cidade foi o principal acusado da negligência da igreja em coibir os casos citados). Um dos editores do jornal durante o processo de investigação dos jornalistas lembrou que 53% dos assinantes do jornal eram católicos e não poderiam receber muito bem a matéria, mas mesmo assim levaram a cabo a tarefa.

Desde adolescente, leio jornais e me lembro da expectativa que tínhamos lá em Franca (eu e as minhas irmãs), em esperar a chegada da "Folha de São Paulo" que o meu pai trazia às seis horas da tarde (ele pegava o jornal da empresa em que trabalhava, depois que todos já o haviam lido), de segunda à sexta-feira... Devorávamos os vários cadernos. Eu tinha até uma sequência de leitura: começava pelo caderno de esportes (que era mais diversificado, não tratava basicamente só de futebol), ia para a Ilustrada (via primeiro os quadrinhos), depois para a parte das Cidades, seguia pelo primeiro caderno (política e "Mundo"), economia e terminava com aqueles segmentados por dia (como teen, informática, viagem, etc, etc, etc)...
Vi mudanças que ocorriam no Brasil e no mundo através da leitura do jornal... Ficava com os dedos pretos de tinta com o folhear das páginas...
Já, em São Paulo, na década de 90 comprava o jornal todos os domingos (cheguei a formar um Atlas com fascículos dominicais) e ficava emputecido quando acordava mais tarde e não o conseguia (chegava a esgotar, mesmo com tiragens de quase um milhão de exemplares)!!!!!
Uma de minhas irmãs, inclusive, queria ser jornalista... Chegou a prestar vestibular na Unesp para o curso de jornalismo, passou, foi com os meus pais para Bauru, fez a sua matrícula, conheceu o campus local, mas ao conversar com alguns professores do curso foi desestimulada a continuar (fez direito, depois, e hoje trabalha na justiça federal).
Hoje, sinto falta desta rotina e confesso que até tento folhear os jornais (Folha e Estadão) que estão sempre disponíveis em uma mesa na sala dos professores da escola que eu trabalho. Tento, mas não consigo mais...
Me deixa enojado o quanto uma parte significativa de jornalistas e grupos de mídia estão ligados a interesses de grandes grupos e o defendem abertamente, sem pudor. Não vou ser ingênuo de colocar que antes não existia isso, que o jornalismo era neutro, etc e tal, pois sei que nunca aconteceu a verdadeira liberdade de se expressar em grandes veículos de comunicação, mas ainda existiam correntes que destoavam... Lembro-me até da figura do ombusdman que criticava abertamente os excessos do próprio jornal. E hoje, este tipo de "mea-culpa" desapareceu? Ficou escondido? Por que será que os jornais não fazem mais isso? Por que publicam na sua seção de cartas (sim eu ainda leio a opinião de terceiros, rsrsrs) apenas aquelas que correspondem à "sua linha editorial"? Muitas pessoas já me disseram que mandaram emails para as redações contestando algumas publicações, discordando da opinião de certos jornalistas e nunca foram publicadas ou respondidas.
Nós precisamos, urgentemente da mídia independente. Daquela que denuncia TODAS as falcatruas e desmandos do poder político (e não apenas de um partido que já está afundado em corrupção)... Que não esconde os casos de partidos e políticos que atendem os interesses dos seus mantenedores, que não manipula a opinião da população, que corta a própria carne...
Até quando os grandes anunciantes vão continuar poupados das investigações jornalísticas?
Muitos jornalistas pagaram com a própria vida pela verdadeira democracia, pela liberdade de expressão e imprensa (ah, Herzog...). Morreram em vão??????
Fica aqui o meu protesto e meu pedido: pela volta do jornalismo independente e investigativo. E isso cabe ao jornalista, pois se depender da "pessoa jurídica", do grande grupo de comunicação, jamais haverá esta retomada...
Jornalistas, sejam rebeldes... Iniciem uma revolução na mídia brasileira... E, por favor, me proporcionem a volta do prazer de sentar no domingo de manhã e devorar um bom jornal, enquanto tomo o café da manhã (às vezes, parecia que ele tinha tinha a mesma temperatura do pãozinho, bem quentinho).
De tudo isso, ressalvo que também gostaria de ver a mídia televisiva no mesmo patamar de neutralidade, mas confesso que sei que duas vidas seriam insuficientes para tal...

PS.: aind hoje eu passo para os meus alunos aquela propaganda da Folha de São Paulo que mostra o Hitler... O lema era "é possível contar uma grande mentira só dizendo verdades"... Pois é, Folha, pois é...