Via Franca

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sexta-feira, 31 de julho de 2020

Quarentena - 31º dia


Primeiro de maio... Sexta-feira...
Mais exames, mais esperanças e a mesma rotina, a qual já estava bem acostumado. Era uma alegria acordar e ir até o quarto de El Cid para ajudá-lo a levantar-se... Às vezes, eu ouvia um "filho dormi a noite toda" ou um "filho, não dormi quase nada"... A partir da primeira fase dele, eu já sabia o que fazer para deixá-lo mais motivado para as ações do dia.
Muitas vezes, após a saída da cama e o longo tempo que despendia no banheiro (boa parte do tempo gastava penteando a lisa e rala cabeleira, rsrs) era o suficiente para eu cortar a fatia de mamão formosa que ele comia toda manhã, passar o café e iniciar a preparação da vitamina de frutas com aveia que complementava o café da manhã de todos nós.
Era gostoso ouvir na boca dele o "Vaninho", que me apelida (um cabra velho, com quase dois metros de altura e mais de cento e dez quilos, sendo tratado no diminutivo é muito estranho)... Inclusive, até hoje, quando escuto esta forma carinhosa de referência, sei que é parente ou amigo lá de Franca... todos os outros, me tratam pelo meu nome mesmo: Evanir.
Inclusive, esta foi sempre uma questão mal resolvida com o meu pai... A escolha do meu nome. Segundo a minha mãe, deveria ter sido Eduardo, mas pelo meu velho ter um amigo de infância que se chamava Evanir e todos o tratavam carinhosamente por "Vaninho" (que o meu pai achava "o máximo"), fui batizado como tal... As minhas irmãs tiveram "mais sorte" e receberam nomes comuns, Eliane e Érica (tudo bem que a nossa caçulinha recebeu um "K" no seu nome original que lhe rendeu alguns problemas no período da alfabetização escolar que logo foi trocado pelo "C" do português sem estrangeirismos)...
Em boa parte da minha vida, ou melhor, confesso, até hoje, fico muito incomodado quando alguém me anuncia como mulher... Entendo que a terminação "ir" refere-se mais ao feminino, mas em muitos casos poderia ter sido evitada. Imaginem, uma sala de espera de exames lotada, chega a enfermeira com uma ficha na mão e chama a "senhora" Evanir Penna... Levanta um caboclo barbudo de mais de um metro e noventa e barriga na mesma proporção... Todos entreolham-se e muitas, não seguram o sorrisinho maroto. O meu constrangimento só não é maior que o da moça que me chamou (já ficou pior, quando a pessoa me vê e pergunta "a senhora Evanir não está contigo, foi a algum lugar?").
Na adolescência eu era sacaneado diariamente pelos meus amigos, por conta de uma butique que tinha o nome de "Lojinha da Evanir" (com uma florzinha no lugar do pingo da letra "i")... Os caras até mudavam o caminho, só para passarem em frente a ela e me "homenagearem". Até hoje, quando faço um trajeto que passa pelo antigo local, dou risada (já começo a lembrar ainda no muro do EETC, antes de virar a rua).
Eu sempre brinquei com ele que ter me colocado este nome foi uma grande troça, pois ter sido registrado como Edercides também lá não deveria ter sido tão fácil, rsrs... Sempre ouvíamso as variações sobre o nome dele em lugares que o chamavam: Ederleide, Ederclides, Delcides, Ederclives,etc e tal... Nos divertíamos com isso. Fico imaginado como sairia escrito no copo de café da Starbucks... O meu avô Elpídio, pai do meu pai, era criativo para nomes, pois o meu tio, irmão de El Cid, chamava-se Erundward... Viu, simples, não!?
Então, tá justificado. Tinha que ser Evanir mesmo e pronto. Com um "p" no Batista (Baptista) e dois enes no Pena (Penna)... Massa demais.
E assim modelou-se um caráter e uma identidade.


quinta-feira, 30 de julho de 2020

Quarentena - 30º dia

Trinta de abril... Quinta-feira...
Nas quintas-feiras a Teresa ia para casa ajudar a minha mãe na faxina semanal, mas por conta da pandemia, isso não acontece mais... Então divido o meu tempo, neste dia da semana entre os cuidados com El Cid e uma força para a minha mãe no varrer, aspirar, lavar e encerar.
Conversamos sobre a vida no casamento, pois já havia completado um mês que eu estava longe da minha esposa, que ficou em São Paulo, enquanto eu estava fazendo companhia para o meu pai. Vi que este distanciamento preocupava muitos o meu velho... Ele que passou praticamente dois terços da vida dele ao lado da minha mãe, não tinha por hábito distanciar-se dela. Até as viagens eram compartilhadas por todos, influenciando muito as minhas irmãs, que também ao viajarem levavam junto os meus pais... Era engraçado que a minha mãe sempre se prontificava a ir, adorava passear, mas o "seu Edercides" fazia o charminho característico do "podem ir, eu não estou muito afim de viajar, não"... Claro que sempre ia e era quem mais aproveitava os passeios... 
Eu, inclusive, aderi a um desses programas de fidelização de viajantes, que nem sempre representam benefícios, por conta dos meus progenitores, que sempre amaram as águas termais de Goiás e sempre reclamavam dos custos para passar temporadas, lá... Fiquei sócio temporariamente do Rio Quente Resorts, pois sabia que eles curtiam muito o lugar.
A nossa última viagem para o Rio Quente havia sido em julho de 2019, para comemorar os 50 anos do casamento dele e da minha mãe, que trocaram festejar em algum buffet por uma semana de convivência conosco, desfrutando de boa comida, tranquilidade e piscinas de águas quentinhas.
Nestes sete dias, que aproveitamos muito, veio na memória o quanto eles foram companheiros a vida toda, dividindo tarefas domésticas, farturas e carências, a responsabilidade na criação de três filhos, sem perder om respeito mútuo e o amor. 
Uma das qualidades que eu mais admirava no meu pai era o cavalheirismo e o esmero que tinha ao cuidar da minha mãe, quando saíam para passear. Era um verdadeiro protetor, no sentido estrito da palavra, não só em relação à ela como de todos nós...
e descrever um pouco a convivência deles, enquanto casal, citando a força que ele dava para ela, o papel de protetor e o cavalheirismo.
Em construção.


quarta-feira, 29 de julho de 2020

Quarentena - 29º dia


Vinte e nove de abril... Quarta-feira...
O grande barato é a felicidade dele quando os netinhos vem visitá-lo... Parece que ele fica até mais forte... Dá uma alegria imensurável observar como a nossa caçulinha, a Dudinha, curte fazer graça para o meu pai. Ele pede para ela fazer carinho nele e ela atende, prontamente... Gosta de chamar o vovô para passear no quarteirão ou andar de carrinho na praça do bairro... E entende que agora o vovô não pode ir... Daí, pega os seus brinquedos, espalha tudo no chão da sala (onde o meu pai fica a maior parte do tempo, nesta fase de convalescência) e fica por horas brincando e tagarelando com ele...
Ele sempre gostou da presença de crianças e, desde sempre, foi muito carinhoso e atencioso conosco, seus filhos.
Desde o nascimento da Isa, sua primeira netinha, há dez anos, voltamos a ter crianças em casa. Observando a maneira como ele sempre cuidava dos netinhos, lembrou-me muito o amor que eu e as minhas irmãs recebíamos de El Cid, desde sempre. Inclusive, a relação do apelido dele, Cid, de Edercides, com o título de "Sidi" (senhor, em árabe dos mouros), mais a relação com o lendário herói ibérico medieval, o genuíno "El Cid", vem da minha imaginação infantil, relacionando-o às proezas do cavaleiro de capa e espada... Tempos depois, pude conhecer a história do mitológico espanhol, em um livro que era do meu próprio pai (uma edição de bolso, parecida com aquelas da saudosa Ediouro, da década de 70) e, daí para frente, o seu "Edercides" transformou-se, para mim, em "El Cid".
Sempre com a ajuda da minha mãe, ele conseguiu sair do nada e construir uma família digna, com um pequeno patrimônio obtido de maneira totalmente honesta, fruto de um trabalho intenso (junto com a minha mãe, mais uma vez, é importante o reforço), que podemos usufruir até hoje, com prazer e gozo comum.
Atualmente, vejo muitos pais "super protetores", tentando criar uma bolha, uma redoma, que possa poupar os filhos de qualquer sofrimento ou frustração. É uma característica dessa nova geração, a qual me enquadro... O objetivo maior deles é poupar as suas crias das características negativas da convivência em sociedade... Se fosse possível, eles só transmitiriam alegrias para os seus filhos... Com El Cid e a minha mãe, dona Elenice, foi diferente... A tristeza nos foi apresentada desde cedo e sempre. Cenas ruins e exemplos de desigualdade não nos eram escondidos. A prioridade sempre foi a alegria, mas quando acontecia algum imprevisto desagradável, uma situação frustrante ou até mesmo a morte de parentes ou conhecidos não éramos poupados da conversa ou da sua apresentação, "in loco"... Mostrar-nos o lado triste da vida nunca foi crueldade ou "falta de tato", pelo contrário, tinha a intenção de desenvolver em nós a compaixão e a solidariedade... Na nossa casa sempre tivemos amor e um senso claro de justiça, mas este lance de poder enxergar a vida como ela é, de fato, foi fundamental para moldar o nosso caráter... 
Nunca nos deixaram de lado... O que um fazia, todos faziam. Sempre viajávamos juntos, jamais ficava alguém para trás. Quando só podia viajar o casal, eles não iam... Ou saíamos todos juntos ou eles não iam.
Ele, junto com a dona Elenice, desenvolveu em nós, o sentido exato do termo "família".
"Tutu Marambá, não venha mais cá, que o pai da menina te manda pegar..." Assim, dormíamos mais calmos. Sentíamos protegidos... Até pouco tempo atrás, eu já com quase cinquenta anos, um metro e noventa, mais de cem quilos, ao ouvir algum barulho, gritava "paaiii"... Esta sensação de segurança, só mesmo um lendário herói, como El Cid, pode proporcionar... O meu herói, o nosso exemplo vivo.



terça-feira, 28 de julho de 2020

Quarentena - 28º dia

Vinte e oito de abril... Terça-feira...
Ele tinha o dom de conhecer e também apreciava uito qualquer tipo de queijos.
Sempre fazia questão d ter bons queijos em casa e adorava nos presentear com um bom "meia cura" mineiro.
O Gabriel puxou ele e sempre ganhava queijos do vovô, mas não comia na casa dele e só comia os do meu pai... Perguntado porque, o moleque dizia: "o senhor compra um queijo bom para a sua casa e um queijo ruim para a minha" (ele levava queijo fresco para o neto, com sabor menos marcante, mas mais saudável, rsrs)
Em construção.


segunda-feira, 27 de julho de 2020

Quarentena - 27º dia


Vinte e sete de abril... Segunda-feira...
Segundas são sempre segundas... Parece que o astral de El Cid cai um pouquinho após o final de semana... Não é legal acordar e ver ele reclamando que as pernas estão mais fracas e que, talvez, nunca mais volte a andar sem a ajuda do andador ou de muletas. Isso me incomoda em demasia.
Dei corda no relógio de parede também.
É uma tradição de família, este lance de relógio com carrilhão. Todas as casas do lado da parentada paterna tem os seus... Uns mais requintados e estrambólicos, outros menos, mas em todas há a presença do anunciador de horas. O mais antigo está na casa da minha tia, herança do meu avô, que vai ficar comigo. Tem bem mais de cem anos e já não funciona direito, apesar de avaliado em alguns milhares de reais por um antiquário. Não tenho a intenção de vendê-lo, mas não aqui no meu minúsculo apartamento não há um pé direito razoável para pendurá-lo, por isso ele segue no seu local original, lá no bairro da Ponte Grande, em Guarulhos, com promessa de devorar ainda mais gerações dos Pennas (já passaram quatro, pela sua voraz caixa de imbuia).
O do meu pai, é mais novo, com caixa de cerejeira, mais clara, e que anuncia a sua presença a cada quinze minutos... Três badaladas para um quarto de hora, seis para meia hora e assim por diante, sempre finalizando as horas cheias com o total de badaladas extras relativos ao número delas.
A minha vida inteira vi o meu pai dando corda nele, sempre às quartas-feiras, zeloso para não tirá-lo do prumo e, com isso, não interromper o seu funcionamento. Depois, de parar algumas vezes, adaptamos-o aos domingos, para receber impulsionamento, já que irá fazer isso será o meu cunhado. Mas, como estou por aqui, sou lembrado pelo meu pai para fazer isso na segunda de manhã, com os raios solares invadindo a porta de vidro da sala de jantar (que nós, caipiras, chamamos de copa) da casa lá de Franca.
Seu Edercides também tem um outro relógio também, que me foi prometido, mas que só era usado em ocasiões especiais, como jantares em restaurantes, missas e festas mais sociais... É um Technics de pulso, que funciona com o balançar do braço, que muitas vezes, enquanto adolescente foi surrupiado para ser ostentado em alguma ocasião que eu precisasse impressionar alguém (bons tempos que um relógio suíço ainda rendia alguma admiração de uma garota ou amigo).
Nunca curti muito usar relógio e, hoje, ainda menos, pois com a gatunagem aumentando consideravelmente e o celular com os seus alarmes me avisando até da hora dos remédios e programas televisivos preferidos, ele ficou ainda mais descartável, sem utilidade que não seja decorativa.
Mesmo assim, ainda tenho nos meus contatos da agenda telefônica, os números de alguns relojoeiros, como o tradicional e conceituadíssimo Olavo, lá de Franca, um dos poucos que confiaria a tarefa de manutenção nos carrilhões da família, sem medo de ser enganado ou ter a substituição indevida de peças, das duas relíquias...
E, parafraseando o meu sempre bem humorado pai, "não há nada completamente errado no mundo, pois até mesmo um relógio parado, vai estar marcando a hora correta, duas vezes por dia"...


domingo, 26 de julho de 2020

Quarentena - 26º dia

Vinte e seis de abril... Domingo...
Piadista, um contador de histórias... Adorava relacionar os fatos do cotidiano com os causos dele. Até hoje, quando eu e a minha esposa falamos algo que não é muito engraçado, mas que tem uma certa graça, cantamos "Seu Edercides lá, laralará, lalá.." imitando a famosa música do Sílvio Santos quando chamava os seus jurados no Programa de Calouros.
Uma das piadas que ele sempre contava era a da galinha que estava fugindo do alagamento e foi subindo nas partes mais altas do poleiro, depois passou para o telhado da casa e da cumeeira pulou para a antena, mas quando água cobriu tudo e foi chegando já no corpo dela, foi esticando o pescocinho na medida que o seu corpo foi ficando submerso... Daí, quando perguntávamos: "e aí, pai, o que aconteceu?", ele arrematava, "ué, ela morreu). E desmanchava-se num largo sorriso, olhando para os lados, esperando a aprovação geral...


É bem comum, ainda hoje, os candidatos a algum cargo político, prometerem mundos e fundos, usarem uma boa oratória e abusarem de estratégias já consolidadas pelo tempo, para conseguir minguados votos que podem decidir uma eleição.
Mas, apesar da farta falácia e de discursos cada vez menos convincentes da maioria deles, nós eleitores, somos protegidos por uma legislação eleitoral, que deixa cada dia mais difícil, o abuso de práticas incoerentes com uma sociedade democrática.
Inclusive diminuiu um pouco o número de candiadtos folclóricos, que marcavam mais pela sua excentricidade do que pelos projetos de governo.
Um deles, ainda na ativa, estudioso convicto dos métodos populistas das décadas de 40, 50 e 60, principalmente de Getúlio, Ademar de Barros, Juscelino e Jânio, ainda via naquela maneira arcaica de fazer política, uma chance de se eleger a deputado federal.
Montou vários comitês no interior, fazia carreatas por pequenas cidades, bebia café no copo do eleitor, pegava criancinhas pobres no colo, entre tantas outras estratégias, que ainda são permitidos pelo TRE (por "debaixo do pano", ele ainda conseguia um caminhão de terra, meio metro de areia e outros 'agrados" para um ou outro correligionário mais confiável).
Com isso, ia sendo conhecido em cada vez mais lugares deste interiorzão.
Até que, em um desses dias de intensa campanha, decide aumentar a sua capacidade de atuação.
Aluga um Cessna, com piloto e tudo, e arma uma estratégia infalível: deslocar-se de avião entre muitas pequenas cidades, fazendo comícios relâmpagos de poucos minutos cada um.
Decolou bem cedinho, da cidade de São Paulo, e escolheu uma área com dezenas de pequenos municípios, bem próximos entre si.
Antes do almoço já tinha discursado em seis cidadezinhas.
Ao descer na sétima, viu que os seus assesssores montaram o palanque na pista do próprio aeroporto.
Economia primordial de tempo!
Desembarcou rapidamente e já se dirigiu ao microfone:
- "Povo de Santa Rita..."
O seu auxiliar, mais que rapidamente, corrigiu o nosso nobre candidato, já que Santa Rita, seria a próxima cidade.
- "Doutor, aqui é Três Porteiras!"
E o candidato sem pensar, ainda com o microfone aberto:
- "Ah, é tudo a mesma porcaria..."
Elegeu-se, mesmo tendo perdido alguns votos em Três Porteiras!
Em construção...


sábado, 25 de julho de 2020

Quarentena - 25º dia


Vinte e cinco de abril... Sábado...
Hoje, começamos com o feitio de doce de mamão e laranja... Quem ralou a casca foi o meu pai. Sorriso no rosto, contando histórias de um dos principais prazeres dele, que é a degustação de doces caseiros. A minha mãe é uma doceira de mão cheia... Sorte nossa. A matéria prima sempre saiu da nossa chácara...
O grande barato é que ele adorava dizer que tinha feito o doce, ou então soltar o "foi nós que fizemos", mesmo que ele só tenha participado na hora de mexer a mistura... Eu chegava, entrava em casa e ele já me lembrava: "tem doce disso ou daquilo no freezer... Foi nós que fizemos". A minha mãe só balançava a cabeça e dava risada.
O barato é que ele não era obeso, tinha uma massa de gordura magra invejável e uma saúde de ferro.... Achávamos que ele seria o representante da família que passaria dos cem anos.



sexta-feira, 24 de julho de 2020

Quarentena - 24º dia


Vinte e quatro de abril... Sexta-feira...
O dia começou com menos dor, mais esperanças dele voltar a caminhar sem a ajuda de muletas ou do andador.
O meu pai nunca foi muito de ir ao médico... Sempre foi sistemático com dores e doenças. Raramente o víamos reclamar de algo, neste sentido.
Lembro-me, quando criança, que ele foi ao dentista arrancar todos os dentes, por conta de uma nevralgia... Que curava qualquer ferida com iodo e acabava com piolhos usando Neocid (veneno para formigas) nas nossas cabeças.
Ainda me lembro do olhar dele para mim, quando uma ex-namorada observou que as canelas dele estavam com a pele muito seca e se ofereceu para passar um creme.
Eu sempre fui o oposto dele... Desde criança sempre fui de médicos e doenças... Um moleque fraco para essas coisas. Bronquite, rinite, sinusite, resfriados mil...
Hoje, imagino quantos perrengues os meus pais passaram comigo. Por várias vezes, as madrugadas deles eram no pronto socorro, comigo, e no outro dia, bem cedo, já teriam que trabalhar, cumprindo horários e funções. Sou grato a eles...
Por isso, quando tive que amparar o meu velhinho, ajudando-o a tomar banho, a se barbear, fazendo vezes e enfermeiro e até amparando-o para evitar quedas, senti-me estranho... Eu não estava preparado para isso (acho que ninguém nunca está). Ainda hoje o grito de "me segura, filho" de uma quase queda dele, me machuca a consciência... Quem sempre me amparou e segurou foi El Cid, não o contrário...
A gente se prepara para muitas coisas na vida, mas para outras nos guardamos, fingimos que nunca irão acontecer, daí o sofrimento é maior...


quinta-feira, 23 de julho de 2020

Quarentena - 23º dia

Vinte três de abril... Quinta-feira...
As festas juninas na chácara. O esmero em montar tudo para celebrar os santos juninos.
Fogueira, enfeites, luzes, o altar para o terço, quitutama engordada pelos pratos trazidos pelos convidados. Terço rezado rigorosamente, quadrilha capitaneada pela minha irmã, Érica...
Em construção


quarta-feira, 22 de julho de 2020

Quarentena - 22º dia


Vinte e dois de abril... Quarta-feira...
O trato com as dificuldades cotidianas do meu pai já uma rotina... E ele é muito positivo, bem humorado o que torna mais fácil a lida... Sem falar, que sempre tem muitas histórias.
Uma vez, quando adolescente, li um livro de um escritor francês, que contava a história de um menino, Tistu, com "polegar verde", em que tudo que ele tocava, brotava flores.
Eu sempre associei está história ao meu pai. Ele tinha este dom também...
Por onde viajávamos ele recolhia sementes, que fazia germinar nos fundos da nossa casa e, depois, plantava na nossa chácara, em Cristais Paulista.
Até hoje, temos no pomar inúmeras espécies de laranjeiras e limoeiros, acerolas, pitangas, atemóia, bananeiras, fruta do conde, seriguela, jambo, jambolão, romãs, inúmeros coqueiros, lima da pérsia (que, para nós, caipiras, é só lima mesmo), carambolas, tamarindos, abacates de todas as qualidades, cajueiros (que nunca frutificaram, rsrs), graviolas, mangueiras de diversas qualidades (o orgulho dele era uma que ele chamava de "presidente", sem fibras e muito doce e tenra), mais de uma dezena de jabuticabeiras, mamão, araçá, goiabeiras, abacaxi, lichias, amoras, marmelo, nêsperas (para nós ameixa, mesmo), caquis, maracujás, peras, mexericas, etc, etc, etc... A maioria plantada ou cuidada diretamente por ele.
Daí, desenvolveu também uma das suas características mais marcantes, que era a de produzir deliciosos sucos, frapês e vitaminas de frutas, além de licores extremamente disputados pelos familiares e amigos.
Além de metódico, o nosso Tistu era extremamente curioso... Aprendeu sozinho, pois não usava a internet, a retirar e congelar polpas para os sucos em épocas que não estavam na safra de determinadas frutas... Então, tínhamos no freezer que fica na copa da nossa casa, compartimentos e mais compartimentos de frutas e polpas congeladas, que faziam a alegria de todo mundo.
O orgulho dele era o suco de graviola, já que é algo exótico na nossa região e que ele fazia ficar bem grosso, com um sabor marcante pela maneira que conservava congelada a fruta. Todos, sem exceção amavam a iguaria branca e leitosa, bem adoçada com açúcar cristal.
As acerolas eram lavadas e contadas antes de irem para o saquinho que seria congelado. No número exato de sessenta... Depois, com um canudinho plástico, retirava o ar de dentro da embalagem, um bom nó era feito e ia direto para o congelamento... O suco produzido era de um vermelho hipnótico.
O meu preferido era o de tamarindo... Descascado, fervido, retirava-se as sementes e depois guardava aquela pasta que fazia o mais saboroso néctar que um ser humano poderia provar...
E assim, fazia com várias, mas só aquelas frutas que eram colhidas na chácara... Nunca produziu polpas de algo que veio de fora, sem a certeza que era totalmente orgânico, livre de venenos, tão comuns na nossa agricultura.
Chegou até mesmo a tentar fazer vinho... Até que por uns dois ou três anos ficou muito saboroso, bem encorpado e frutado, mas depois que um fungo atacou a sua parreira, desistiu (a qualidade das uvas caiu muito)...
Outra produção que sempre foi muito disputada pelos mais velhos da família e pelos amigos, era o licor de jabuticaba... Se orgulhava de fazer um "sem álcool", pois não acrescentava cachaça, apenas deixava as frutinhas curtirem no açúcar. distribuía até para os parentes evangélicos. até que entendeu que o álcool era produzido pela fermentação da fruta com o açúcar (na realidade, eu sempre desconfiei que ele sabia disso e pregava uma grande peça na parentada, rsrs). O detalhe é que o licor ficava delicioso... Vou repetir: DELICIOSO.
Este dom foi passado para mim, mas ainda não desenvolvi a maestria de atingir os sabores que ele conseguia, pois não é só misturar fruta, água e açúcar... Segundo ele, até o tempo que o liquidificador fica ligado, altera o sabor do suco. Lenda ou não, ainda não consegui superá-lo...
Um dia, espero ser reconhecido pelas minhas irmãs e sobrinhos, como um "suqueiro" de responsa, igual a El Cid...


terça-feira, 21 de julho de 2020

Quarentena - 21º dia


Vinte e um de abril... Terça-feira...
Meu aniversário.
Se não fosse a covid-19 eu estaria passando esta data com a minha esposa, no Peru... Por conta da pandemia, viagem desmarcada e eu pude ter o privilégio de comemorar os meus cinquenta anos ao lado da minha família e com o meu pai... Foi o último abraço de feliz aniversário que recebi dele. Desde criança os aniversários eram muito simples, mas bem produzidos, com docinhos e bolos caseiros, muito refrigerante, que na década de 70, na minha família era um luxo, só no domingo, quando os irmãos se comportavam durante a semana, ou em dias de festa, mesmo (ah, em alguns velórios também se passavam algumas bandejas com Coca-cola, Fanta uva e Taí, mas só mesmo naqueles que se queria impressionar a parentada)... Um grande barato era quando não tinha refrigerante e o meu pai colocava bicarbonato na limonada para borbulhar e ficar parecido com Seven Up... Como eu odiava aquilo, rsrs, mas até pouco tempo atrás, El Cid dizia que o melhor suco de limão era daquele jeito, "com borbulhas"... Vai entender, né.
Por toda esta lembrança, pedi que a minha mãe fizesse um bolo de laranja com fubá, bolinhas de doce de batata doce polvilhadas com açúcar e biscoitos de polvilho doce, acompanhados de suco de goiaba... Comemoramos na nossa chácara (só faltou a minha esposa, que teve que ficar em Guarulhos, por conta da pandemia).
Um lance legal do meu pai, que sempre nos marcava muito, era a contagem de tempo, em anos, quando comemorava o seu aniversário... Dizia que tinha um terço a menos da sua idade, justificado pelo "tempo que ele passou dormindo", seguindo a recomendação de oito horas de sono diário, na média. Então, quando completasse 84 anos (isso aconteceria em setembro de 2020), faria, na sua conta, 56 anos... Este bom humor, as respostas prontas para tudo e os comentários bem colocados, com o objetivo de nos fazer rir, eram a sua marca... El Cid, o espirituoso. 
Foi, com certeza, a melhor festa de aniversário dos meus últimos anos. Talvez de toda a minha vida...
A última que passei ao lado do "seu Edercides", meu pai, o meu herói.


segunda-feira, 20 de julho de 2020

Quarentena - 20º dia

Vinte de abril... Segunda-feira...
Mais uma vez, o meu pai acordou reclamando um pouco das pernas, que estavam mais fracas que no dia anterior...
Ele sempre trabalhou, desde criança, por isso este período de resguardo por conta da doença que lhe consumia os movimentos era muito difícil... Isso me fazia o entender, bem.
O seu primeiro emprego, tirando aqueles de garoto, entregando jornais, engraxando sapato, foi numa fábrica de doces em Ribeirão Preto, quando a minha avó se mudou com ele para lá, depois de uma briga com o meu avô (eles ficaram poucos meses distantes)... Contava com graça que o que mais gostava era a possibilidade de se fartar de bolachas e afins na "hora da merenda", lá na indústria...
Depois trabalhou com grandes atacadistas no bairro da estação (a loja ficava bem ao lado da estação de trem, mesmo), os irmãos Abraão Jorge... Amou este trabalho. Contava com orgulho o quanto aprendeu e se dedicou lá. Eles tinham contato com vários fornecedores em, praticamente, todos os continentes, por isso recebiam correspondência postal de vários lugares do mundo... O meu pai ficava com os selos e, metódico como sempre foi, organizou uma coleção incrível de selos de vários países do mundo, carimbados pelas respectivas empresas de correios... El Cid era um filatelista amador, auto didata e dedicado (ficou para mim, a coleção). Pena que fixou o selo com fita transparente (da Durex) e, com o tempo, a cola vazou em todos eles, deixando-os amarelados no centro, perdendo o seu valor comercial, rsrs, mas não tem problema, pois não há intenção alguma em me desfazer dela.
Deste período contava como ajudava os "chapas" a descarregarem os caminhões (principalmente aqueles de sacas de arroz) e também das viagens que fazia com eles para buscar mercadorias em outras cidades. O grande barato é que a função do meu pai era administrativa, trabalhava dentro do escritório, mas sempre foi solidário e solícito, por isso desde sempre, era muito querido por todos que o conheceram. Uma história que eu achava bem interessante foi a de uma fiscalização surpresa que a empresa teve, quando dois fiscais extremamente rigorosos acharam o livro "informal" do fluxo de caixa da empresa e o meu pai conseguiu arrancá-lo das mãos deles e saiu correndo, pulando o balcão e se escondendo em um terreno afastado, para ser destruído, posteriormente (isso ele não concordava, não, mas sempre "vestiu a camisa" dos lugares que trabalhou).
Saiu de lá, no começo da década de 70 e foi trabalhar na indústria de solados e colas Amazonas... Não conhecia muito sobre a função que foi designado, mas recebeu o cargo de chefia pela sua inteligência e capacidade de adaptação... Infelizmente, tinha que aprender sobre as diferenças de solados na prática e foi sacaneado por algumas pessoas, que pleiteavam a sua posição... A gota d'água foi uma ameaça de greve que a equipe fez, requerendo melhores salários e ele foi o negociador deles com o patrão... Quando foi pedida a cabeça dos líderes, ele se demitiu. Não podia com injustiças...
Acho que foi a melhor decisão tomada, pois não ficou quase nada em casa... Em pouco tempo já estava empregado na Usina de Laticínios Jussara, o local que trabalhou por mais de trinta anos, tão relevante que não consigo imaginá-lo em outro emprego, a não ser lá... Era conhecido por Penna... O Penna da Jussara.

Terminar com histórias da Jussara, como a do caminhoneiro que sofreu acidente e só mancava quando entrava na firma ou o acidente com ácido que deixou uma cicatriz enorme no braço dele e a sua aposentadoria.

Em construção...


domingo, 19 de julho de 2020

Quarentena - 19º dia


Dezenove de abril... Domingo...
Um sãopaulino comedido...
Sempre torceu pela Francana, mas era tricolor do Morumbi também...
Contava histórias divertidíssimas sobre as equipes do passado, inclusive com uma admiração excessiva pelos estrangeiros como o Poy, o Dario, o Lugano...
Falava também do time que fez o Santos de Pelé sair de campo (nem sei se era verdade ou não, mas era surreal a história).
Conta quando foi assistir um jogo em Ribeirão Preto contra o Botafogo, no Estádio Santa Cruz... Fala muito do Leônidas também.
Vale a pena lembrar do dia que levei ele no Morumbi, pegando um ônibus circular na Praça das Bandeiras, repleto de torcedores arruaceiros e a chegada da Independente que tomou a arquibancada bem no lugar que sentamos.
Vimos um empate sem graça contra a Lusa (o nosso ponta direita era o folclórico Mário Tilico) e no final do jogo ele levou uma "copada" de cerveja nas costas, saindo muito irritado me pedindo para nunca mais convidá-loa ir para o Morumbi... E, nunca mais voltou mesmo.
A sua mais fiel seguidora é a minha irmã caçula, a Érica, sãopaulina fanática, que vivia discutindo futebol com ele e se irritava muito facilmente com as características negativistas de El Cid, rsrs. Inclusive, quando havia jogos do "mais querido" aos domingos, ela ligava a TV lá na chácara e o meu pai sem paciência para assistir o "quebra canelas"  saía para fazer alguma coisa, mesmo sem importância pelos arredores da casa. Quando saía um gol ela ia correndo avisá-lo, mas tinha todo um ritual, rsrs... A Érica gritava, "goool, pai" e ele sempre achava que era do adversário... Era hilário, pois quando o tento anotado era do tricolaço, sempre vinha com um praguejar por parte dele: "pode ter certeza que daqui a pouco eles empatam"... Isso, eu herdei do seu Edercides, o negativismo quanto ao São Paulo F. C., que nos deu tantas glórias nas décadas de 80 e 90, mas que nos últimos anos fez até o Gabrielzinho, netinho de El Cid, pensar em ser palmeirense, rsrs...
Em construção.
PS.: este texto estou escrevendo no dia que ele comemoraria 51 anos de casamento com a minha mãe (19 de julho)... Saudades eternas.


sábado, 18 de julho de 2020

Quarentena - 18º dia

Dezoito de abril... Sábado...
Sábado sempre foi dia de ir a feira, na estação... Era um evento, pois sempre que ele me convidava para acompanhá-lo, vinha com a tradicional frase: "é só meia horinha", mas demorávamos horas entre barracas, desfrutes de iguarias que sempre experimentávamos, longas conversas com os conhecidos que sempre estavam por lá e um brincadeiras na barraca de queijos do Paulo e da Maria Tereza (lá o valor da peça do "canastra", para ele, sempre deveria ser dezenove reais, mesmo quando era vendido a bem mais do que isso).
Eu brincava que ele deveria sair candidato a vereador, pois conhecia todo mundo e sempre tinha uma brincadeira ou lembrança do passado das pessoas que encontrava (e quando não via, brincava, será que morreu?).
O pastel era de praxe... Queijo para ele e carne para mim, acompanhado de refrigerante de guaraná (Antárctica, sempre)...


sexta-feira, 17 de julho de 2020

Quarentena - 17º dia

Dezessete de abril... Sexta-feira...
Seu Edercides, o "faz tudo", curioso e insistente por natureza... Aproveitava tudo o que podia. Algo só era jogado fora, se não tivesse recuperação ou nenhum reaproveitamento, mesmo fora da sua função original... O conceito ecológico já estava embutido na cabeça e na consciência do meu pai, desde que ele se conhecia por gente.
Por um bom tempo, até parafusos e porcas que ele encontrava na rua, levava para casa, pois "sempre poderia ser útil"... Tenho até hoje um prego de dormente de estrada de ferro, no caso da Mogiana, que ele achou na década de 80, próximo da pracinha da Jussara (só quem é de Franca entende esta referência, rsrs).
Outra coisa legal era levar o jornal do escritório da Usina de Laticínios para casa, no final do expediente... Mesmo autorizado pelos diretores, ele esperava todos saírem para ter a certeza que ninguém mais iria ler ainda algum dos cadernos da Folha de São Paulo... Em Franca eram poucos lugares que tinham este privilégio, pois chegavam poucos exemplares do matutino, geralmente no ônibus da Cometa, já no final da manhã... Lembro-me que ficávamos eu e a minha irmã do meio, a Eliane, aguardando a chegada dele, após às seis da tarde, com o calhamaço de notícias, informações e entretenimento, que aproximava a capital dos quatrocentos quilômetros da nossa cidade. Quando ele emorava um pouco mais para chegar, já sabíamos que ele estava esperando a última pessoa sair de lá, para ter certeza que o jornal estaria liberado... Nunca perguntava se podia levar, antes de todos saírem (repito, mesmo tendo a autorização dos donos da Jussara para ficar com o jornal do dia).

Em construção.


quinta-feira, 16 de julho de 2020

Quarentena -16º dia

Dezesseis de abril... Quinta-feira...
Contar as histórias dele nas nossas viagens, em família para a Riviera de São Lourenço, Maceió (a primeira dele de avião), onde ficamos sabendo da morte do Marquinhos pelo Jornal Nacional, o Ano novo em Recife, as idas para Fortaleza, para a baixada santista, desde a minha infância, na casa dos meus avós em São Paulo, os bate e volta para Ribeirão Preto, Bonito/Pantanal, Serras Gaúchas com o overbooking motivado pelo Ronaldinho Gaúcho (ele passou a odiá-lo após isso, rsrs), no apartamento do Toninho em Floripa, Porto Seguro (onde fui travestido por alguns alunos que encontramos lá)... Só não descrever as idas para Ituverava, pois estão no 14º dia...
A sugestão é olhar os álbuns de família para reavivar as lembranças.
Em construção.


quarta-feira, 15 de julho de 2020

Quarentena - 15º dia

Quinze de abril... Quarta-feira...
Contar as histórias de Franca de antigamente, que ele viveu, desde a influência ferroviária até a vida social da cidade, com nomes dos lugares mais frequentados pelo meu pai, como o Zig Zag (do Olivar), o footing na Praça da Estação.
Em construção...


terça-feira, 14 de julho de 2020

Quarentena - 14º dia

Quatorze de abril... Terça-feira...
Escrever sobre as idas para Ituverava de Variant, inclusive com o quase acidente logo depois que havia comprado o carro e quem dirigia era o Chicão, da Casa Paulista,, quando ele aprendia a dirigir com o Renil e aproveitava para trazer milho para casa, os passeios de bicicleta para o campo de aviação nos sábados à tarde, pegar gabiroba nas moitas...
Em construção.


segunda-feira, 13 de julho de 2020

Quarentena -13º dia

Treze de abril... Segunda-feira...
Descrever as superstições e as lendas que o meu pai contava (contar a história da surra que o Carlinhos levou na casa da tia Maroca, ensinando que não devíamos desrespeitar os nossos pais)...
Ele tinha uma resposta pronta para tudo... Quando alguém dizia que tinha algo igual ao que ele tinha (uma camisa igual, por exemplo), ele logo soltava que não poderia ser igual, pois a "dele já estava paga" e, de fato, odiava comprar algo à prestação (passou a vida inteira sem ter um cartão de crédito).
Em construção.


domingo, 12 de julho de 2020

Quarentena - 12º dia


Doze de abril... Domingo...
Domingo, como sempre, dia de reunião familiar na chácara dos meus pais... E hoje, ele está mais animado.
Já tivemos vários animais, mesmo a contragosto da minha mãe que nunca gostou muito de criações, a não ser dos frangos e galinhas para consumo de ovos da carne... Quando pequeno "herdamos" de um tio que se mudou da cidade, um pássaro preto criado desde filhote em uma pequena gaiola, que deixava apenas o meu pai fazer cafuné na sua cabeça (tinha que chamá-lo dizendo que ia "catar piolho") e que sempre derrubava o potinho de água, depois de tomar banho nele. Tivemos também um "cachorro comunitário", que vivia conosco na rua e dormia uma noite em cada quintal, pois a minha mãe e as dos meus amigos não aceitavam que criássemos um... Quando éramos perguntados sobre o motivo daquele cachorro" estar no quintal, sempre dizíamos que ele era do outro moleque e que estaria ali só por aquela noite (muito tempo depois, meu pai me disse que ele sacava aquele nosso lance, mas não tinha coragem de nos "entregar")... Havia também um papagaio criado solto no quintal da minha avó que ficava entre as laranjeiras, uma codorninha que apareceu do nada na minha casa e foi acolhida como membro da família e seguia o meu pai por toda parte (ele acocorava e ela se escondia nele).
Um traço muito legal do seu Edercides era esse: a facilidade de interação com os bichos, de pelos, penas e escamas... Sempre tivemos galos e galinhas na chácara que acompanhavam ele por toda a parte. Nunca vi uma pessoa que chegava perto dos passarinhos, aqueles livres, soltos, sem espantá-los... Eles viam o meu pai e se aproximavam. E ele conversava com eles... Eu brincava que para ele colocar quirela de milho para os canarinhos da terra, perto da horta, tinha que esconder o pote, pois os bichinhos quase avançavam sobre a comida, antes dele colocá-la no cochinho improvisado em um pedaço de bambu... Quando eu me aproximava, ele voavam rapidamente, pousando em árvores bem distantes.
Uma das preocupações dele, incumbindo a minha irmã caçula era de continuar a alimentar os "bichos da chácara" (a bambeza das pernas já não o permitia se aventurar por entre o pomar e a horta).
O barato é que mesmo quieto, sem se locomover por outros cantos da propriedade o "galo Chico" o seu fiel escudeiro sempre fica ao seu lado, passando o dia à la "Sancho Pança"...
Teve até a pachorra de montar uma caixinha num armário velho da varanda da nossa casa, para acomodar um enxame de arapuás que apareceu lá. Ele se refere a elas como "minhas abelhas", rsrs...
O amor dele é visível nestas relações com os bichos... Nos ensinou a amar, respeitar e conviver, na prática, com exemplos cotidianos.


sábado, 11 de julho de 2020

Quarentena - 11º dia

Nenhuma descrição de foto disponível.
Onze de abril... Sábado...
Descrever a viagem de Portugal, o encanto com o país, a geral que ele levou no aeroporto de Madri...
Lembrar também da nossa preocupação em ele levar o seu passaporte original, pois na viagem para Natal levou uma xerox autenticada do RG e foi impedido de embarcar pela BRA (teve que voltar para Franca para buscar o documento original para viajar somente no outro dia)... Era um voo fretado e a simpatia dele, mais o choro da minha mãe convenceram a atendente a encaixá-lo no dia seguinte...
Em construção.


sexta-feira, 10 de julho de 2020

Quarentena - 10º dia

A imagem pode conter: Evanir Penna, sorrindo, estádio e atividades ao ar livre
Dez de abril... Sexta-feira...
Em construção...
Contar as histórias das idas ao Lanchão... O acesso da veterana em 03 de dezembro de 1977, etc e tal.




quinta-feira, 9 de julho de 2020

Quarentena - 9º dia


Nove de abril... Quinta-feira...
Escrever a história deste dia.
Histórias de criança, inclusive quando salvou a tia Edma de um ataque de boi, quando cruzavam o pasto, o do tio Nego que ao vender um passarinho foi questionado que o bichinho era manco e exaltou-se perguntando ao pseudo comprador se ele queria a ave para cantar ou jogar futebol, quando estudava no champagnat e foi reprovado por um preciosismo de um professor (depois brincava com isso, alegando ser um aluno que só "tirava dez", mas a nota era até cem), da surras que o vô Elpídio distribuía nos três filhos, com uma régua de madeira com um metro de comprimento (na Tia Edma ele batia bem devagarzinho, pois era a caçulinha, nele e no tio Erund, o meu avô caprichava, mas eles enchiam o shorts de papel para amortecer, até um dia que a régua quebrou)..
Em construção.


quarta-feira, 8 de julho de 2020

Quarentena - 8º dia

Oito de abril... Quarta-feira...
Postar e editar a história do dia...
A passagem dele pelos times de várzea de Franca: Caramuru (contar a história da escolha desse nome, da confecção das flâmulas, do sumiço da última delas em uma festa na casa dele), Água Verde, Centenário, etc.
Destacar também  dia que ele deu balão e a bola quicou antes do atacante e quebrou os dentes do Benão, a posição de zagueiro, o drama de não ter um filho boleiro (eu preferi o basquetebol, mas mesmo assim sempre fui apoiado por ele, que construiu até uma quadrinha com cesta na chácara).
Aguardem.



terça-feira, 7 de julho de 2020

Quarentena - 7º dia


Sete de abril... Terça-feira...
Dia difícil, com muitos perrengues por conta das limitações dele, o que dificultava muito a locomoção até o banheiro... O fato de ficar tentando reter a urina, poderia causar infecções que, no seu estado, poderiam trazer muitos agravantes.
Lembramos da passagem dele pelo Rio de Janeiro, em 1959, quando tinha de 22 para 23 anos...
Ele sempre foi apaixonado pela carreira militar, desde criança, passando pelo serviço militar obrigatório no Tiro de Guerra de Franca, mas o seu grande objetivo era ingressar na Marinha...
Junto com outros amigos de Franca, se alistou e foi para a então capital do país (Brasília só foi inaugurada em 1960), alojando-se no quartel da Penha...
Eu achava engraçado quando ele contava que ao ser questionado se sabia nadar, havia perguntado se precisava ser um bom nadador, já que esperava que a Marinha tivesse barcos, rsrs... Eu amava esse espírito gozador dele.
Disse que foi muito diferente do que esperava... Não conseguiu se adaptar... Os seus comandantes diretos, não gostavam dos paulistas na corporação... Eram cerca de 300 que, segundo ele, sofriam muito por ser de São Paulo, com cargas de serviço exageradas, não atendimento de pedidos para visitar familiares, hostilidade dos outros praças e oficiais, entre outras coisas.
Mas, a situação dele, especificamente, mudou bastante quando conseguiu ganhar a admiração e confiança do Capitão Eronildes... Contou-me que a tropa estava toda em formação quando o comandante anunciou que precisava de três voluntários para descarregar um caminhão de sacas de arroz que havia chegado... Ninguém, repito, ninguém se prontificou... Apenas o meu pai, se voluntariou, afinal de contas, ele havia trabalhado por anos no Atacadista Abrão Jorge, em Franca e sempre ajudava os "chapas" a descarregar caminhões, quando não estava muito ocupado organizando o estoque (ele sempre foi muito solícito e camarada)... O capitão escolheu mais duas pessoas e os três finalizaram o trabalho... Como recompensa ganharam folgas, algo muito raro naquela força armada, no final da década de 50.
Inclusive, nessa folga, ele não tinha autorização para visitar a família em Franca, mas foi... Não só não avisou o comando, como viajou fardado, o que não era permitido (era a única forma de não pagar as passagens de trem, pois o soldo não era muito).
Pensou que tinha dado uma volta nos seus superiores, mas um delator fez ele ser descoberto, mas mesmo assim continuou querido pelo Capitão Eronildes... Inclusive, foi destacado para a "Polícia da Marinha", aliviando um pouco o excesso de trabalho que tinha... 
Era interessante ouvir dele, que ao sair para se divertir nas noites do Rio de Janeiro, tinha horário para entrar no quartel, por isso quando não conseguia chegar até o fechamento do portão, tinha que dormir nos trens da Central do Brasil até dar a hora de entrada, no dia seguinte... Dizia que tinha muito medo de cruzar com os malandros, bons de briga e sempre armados com navalha, que não gostavam de fardados e, na peleja, sempre que escondiam ambas as mãos, era recomendado correr, pois não havia como saber qual delas viria com a arma branca, ao buscar o oponente...
Dizia também que chegou a treinar no Olaria, em curtas folgas que tinha e uma das histórias que eu mais curtia era ouvir que o time chegou a ser convidado para participar de um jogo treino no Maracanã, contra a seleção brasileira, mas dias antes da partida, não tivera permissão para sair do serviço... Até hoje, eu penso nessa frustração de um cidadão que amava futebol, rsrs...
A barra pesada na vida na caserna até era suportável, mas o meu pai sempre contava que as injustiças que ele presenciava mexiam muito com ele... Estava aquartelado, mas o objetivo dele sempre foi seguir carreira na Marinha Mercante e sempre foi desestimulado, pois além de não ser descendente de oficiais, era também "muito moreno" para conseguir chegar a postos maiores... Se emocionava muito ao lembrar disso e sempre contava a história de um negro que passou em primeiro lugar no concurso, mas foi reprovado no "exame de saúde"... 
Por tudo isso, não aguentou permanecer... Quando quis "pedir baixa", junto com outros paulistas da região de Franca, ficou sabendo que teria que cumprir três anos, antes da dispensa... Não suportaria.
Daí, aconselhado pelo Capitão Eronildes, que gostava muito dele, foi até o Ministério da Marinha, onde foi aconselhado por um tenente de extrema confiança do oficial a fazer bagunça, causar transtornos na caserna, tornar-se indesejado para ser dispensado pela própria corporação... Só tinha que tomar cuidado para não fazer algo grave que pudesse gerar alguma detenção... 
E assim, El Cid e seus camaradas paulistas arranjaram muita confusão até serem desligados da corporação...
A Marinha perdeu um excelente marinheiro, quiçá um oficial maravilhoso, mas a zaga do Caramuru teve de volta o seu "becão" de responsa...
Ahh, pai, eu sempre acreditei que o senhor estava presente no Maracanã, no dia 13 de maio de 1959, quando o Júlio Botelho levou um estádio lotado das vaias aos aplausos... Neste jogo contra a Inglaterra, em comemoração ao título mundial da seleção brasileira, do ano anterior, fez a plateia ficar irada com a não escalação do seu maior ídolo, na época, o Garrincha (estava fora de forma), ao mesmo tempo que viu o ponta direita do Palmeiras, Julinho, dar um verdadeiro espetáculo... E, o meu pai estava lá...




segunda-feira, 6 de julho de 2020

Quarentena - 6º dia


Seis de abril... Segunda-feira.
Com o meu pai, peguei gosto, na infância, por filmes épicos e "westerns", desde os americanos até os "bangue bangue a italianas"... Neste dia seis de abril, com ele mais animado, um pouco mais fortalecido emocionalmente começamos uma maratona de faroestes (que se estendeu por toda a quarentena), com "Sete homens e um destino" (o de 1960, é claro), "Johnny Guitar", a trilogia que começou com "Por um punhado de dólares" (este assistimos uma meia dúzia de vezes, rsrs), "Por uns dólares a mais"e "Três homens em conflito", "Gigantes em luta", "Era uma vez no oeste" (o do Leone, de 1968), entre tantos outros...
Ele conhecia todos os seus artistas principais, pelo nome completo e me contava parte das suas histórias e os mais filmes mais emblemáticos de cada um Clint Eastwood, Yul Brynner, Steve McQueen, John Wayne (com o seu característico chapelão), James Stewart, Burt Lancaster, Charles Bronson, Paul Newman, Kirk Douglas, Terence Hill, Giuliano Gemma, Bud Spencer, Franco Nero, Eli Wallach, Lee Van Cleef, James Coburn, Henry Fonda, etc, etc, etc... Notem que lembrava dos atores, quase nunca citava as atrizes, mesmo sabendo que sabia também o nome delas de cor... Era sistemático. Engraçado que, depois de adulto, as mensagens de machismo, racismo, xenofobia e a violência gratuita, principalmente com os indígenas americanos, dos faroestes me incomodavam muito... Mas, sublimei tudo isso, por estes quarenta dias, para maratonar com o meu velho... A empolgação em cada cena de ação, os risos com as cenas mais bufas, a satisfação com a "justiça" do final de cada película, me deixava ainda mais próximo dele... Era delicioso acompanhar as reações nas diversas cenas... Parecia dialogar com os personagens, até mesmo porque a maioria das cenas estavam vivas na sua memória.
E, naquele exercício diário, de deleite musical, ele pedia muitos temas desses westerns, geralmente na composição do Morricone, que, confesso, sempre achei o ponto alto dos clássicos... Lembro-me até de um de LP que eu tínha desde criança com os principais temas e barulhos dos bangue bangue à italiana, com a imagem do Terence Hill, no papel do hilário Trinity, na capa.

domingo, 5 de julho de 2020

Quarentena - 5º dia


Cinco de abril... Domingo.
Já sem a sonda, levamos o meu pai para a sua chácara, que fica no pequeno município de Cristais Paulista, a uns vinte quilômetros da nossa casa... Ela já foi muito maior, mas ainda hoje é suficiente para as nossas reuniões semanais, que, sagradamente, acontecem aos domingos.
A nossa relação com a natureza sempre foi muito grande.
Sempre gostei de trabalhar na horta... Já a minha mãe tem predileção pelo jardim e El Cid era apaixonado pelo pomar. Para quem conhece o trabalho na roça, sabe que são lugares bem distintos, com tratos diferentes.
Entendi bem estas preferências, através de uma alegoria...
Ao trabalhar na horta, eu tinha uma grande preocupação em levantar bem o canteiro para evitar que a água retirasse parte do solo e sempre antes de plantar eu afofava muito bem a terra, colocando muito, muito esterco. Depois de jogar água nele, o cobria com folhas de palmeira ou bananeira, para manter a terra úmida e evitar a sua laterização... Fazia, então o plantio, geralmente com mudinhas que eu já havia semeado anteriormente em uma bandeja, com composto fértil, sendo escolhidas somente aquelas que eu achava mais resistentes e vistosas.
Com o passar do tempo nasciam muitas ervas daninhas, ao lado das plantinhas, então era o momento de me acocorar e, com as mãos, arrancar uma a uma estas invasoras, pois poderiam consumir parte dos nutrientes fundamentais para o bom desenvolvimento das "minhas plantinhas". Eu fazia até mesmo uma proteção com paus para evitar a visita de pássaros e uma calda com fumo, que jogava sobre as mudinhas para coibir o ataque de insetos e pulgões.
Ao associar essa minha preferência pela horta, com a minha vida, consegui perceber que eu tinha uma grande facilidade em cultivar novas amizades, principalmente nos meus locais de convivência diária, como no meu local de trabalho, ou nas minhas viagens. Eu preparava bem o terreno, "escolhia" as pessoas que tinha mais afinidade e retirava da minha convivência algumas "ervas daninhas", espantando também outros males que poderiam prejudicar aquelas amizades que eu cuidava com tanto carinho.
Mas, era na realidade, a mesma coisa que a minha horta, já que estas amizades duravam o tempo que nós convivíamos na escola ou nos outros lugares, já que o ciclo da vida das hortaliças também é muio curto, resultando sempre na renovação dos canteiros.
Percebi que, quando deixava de conviver diariamente com essas pessoas (o mesmo cuidado diário que a horticultura exige), a nossa amizade esfriava e, com o tempo, se acabava.
Procurei, então, entender o porquê do meu pai preferir o pomar, já que sempre ele dizia que "o que estava plantado ali", durava vários anos (algumas árvores "duram mais que uma vida", existindo por duas, três ou mais gerações) e, mesmo quando estamos distantes, elas são tão sólidas e resistentes, que conseguem sobreviver sem os cuidados diários que uma horta exige. Resistem à secas muito prolongadas e até mesmo a grandes intempéries ou tempestades. Lembro-me de um abacateiro, cultivado há muito tempo que, numa tempestade de verão foi atingido por um raio e quebrou-se ao meio, pegando fogo também. Eu queria cortá-lo, mas o meu pai disse que ele era tão resistente, que brotaria novamente com mais força ainda.
Impressiona-me muito, olhar para aquela árvore que, para mim tinha morrido e, hoje, vê-la vigorosa, frutificada, com galhos novos saindo da antiga estrutura danificada, Como algumas amizades que deveriam resistir a tudo.
Na minha horta, as frágeis plantinhas (entenda como as "frágeis amizades"), não resistiriam sequer a uma ventania, quanto mais a uma tempestade. O abacateiro do meu pai renasceu, como algumas amizades sólidas, que passam por intempéries e ressurgem, ainda mais fortalecidas.
Bom, continuo cultivando a "minha horta", mas tenho tentado plantar alguns abacateiros, no pomar das minhas relações. Espero que eu tenha a competência do meu pai, para fazê-los fortes e resistentes e, mesmo distantes, possam manter-se vivos e bem frutificados.
Eu sou, e sempre serei, mais um horticultor do que um fruticultor, mas vou tentar florescer os "meus abacateiros", pois só assim terei certeza que ficarão resistentes a muitas tempestades ou a uma grande distância, já que as suas raízes longas conseguem buscar água em grandes profundidades, não necessitando de regar-se diariamente.
E tenho certeza que o meu maior amigo foi, e sempre será o meu pai, El Cid.





sábado, 4 de julho de 2020

Quarentena - 4º dia


Quatro de abril, sábado...
Foi ao hospital e tirou a sonda, usou saias estes três dias, pois facilitava o manejo com a sonda, que o incomodava muito... Brincava muito com isso, dizendo ser um escocês.
Passou a usar fraldas, mas encarou de boa... Dizia que era uma cueca descartável, rsrs...
Fiz a barba e o cabelo do meu pai, ao som do Barbeiro de Sevilha, do Rossini ("largo al factotum"). Usei a sua navalha. Lembrei-me de todas as vezes que o vi no trato "dia sim, dia não" com a tarefa de barbear-se... Espuma, navalha e loção. Saía do banheiro com aquele cheirinho que até hoje eu tenho na memória, de "pai barbeado" e, mesmo usando produtos idênticos, não consigo resultado parecido em mim (o perfume fica diferente no meu rosto). Deve ser coisa de pele...
Gostava também de ir à barbearia, no caso para cortar o cabelo... Inclusive, o seu último corte foi feito por mim, na régua, milimetricamente aparando o seu "caramanchão", rsrs.
Sempre frequentou o mesmo salão, ali na estação, onde dois barbeiros dividiam cadeira... Era lá que sabia de todas as fofocas e novidades em primeira mão... Era onde se informava também quem ainda estava vivo ou já havia "partido antes do combinado".
Uma vez, não faz muito tempo, precisei dar uma aparada na minha barba e perguntei para El Cid, qual dos dois barbeiros era melhor procurar, lá no salão. Ele não pesou duas vezes: "o Zé".
Eu quis saber o porquê da indicação.
- O Zé tem a mão mais firme, pois é mais novo. O Alcides tem oitenta e seis anos...
Daí, aliviado, agradeci e, só por curiosidade, perguntei para o meu pai, a idade do Zé.
- Oitenta e quatro!!!
De fato, me passou segurança...

sexta-feira, 3 de julho de 2020

Quarentena - 3º dia


Três de abril, sexta-feira...
Ainda não havia me acostumado em levantar tantas vezes durante a noite... Mesmo com uma rotina de remédios, a madrugada entre a meia noite e as seis da manhã deveria ser tranquila. Mas, como ele tinha que hidratar-se muito durante o dia, a necessidade de ir ao banheiro era evidente... Toda vez que eu ouvia ele tocar no andador, eu acordava e apurava o ouvido para entender qual seria a ação. não só nessas primeiras noites, como em muitas outras, eu levantava também para ir ao banheiro e aproveitava para dar uma olhada se estava tudo bem com ele. Como havia uma lampadazinha verde no quarto, que dava uma luz de pirilampo, eu conseguia ficar alguns segundos observando o sono dele... Deve ser a mesma sensação que um pai tem ao fiscalizar o dormir de um filho recém nascido. Neste período, ele me relatou vários pesadelos que teve e, em muitos, a dificuldade em correr de algo sempre o afligia.
Mais uma vez, o dia foi moroso, com o nosso programa favorito: escutar músicas, fato que, em casa, tinha um atrativo maior, pois a minha mãe tem uma dessas caixinhas que potencializa o som do celular, deixando este deleite sonoro quase perfeito.
Lembro-me que sempre entrávamos em calorosas contendas sobre qualquer assunto, com doses fortes de teimosia (a minha é genética e paterna) e a que mais curtíamos discutir, além do futebol é claro, era sobre os compositores de música erudita... Como eu, El Cid não era músico, muito menos estudioso sobre o tema (não tocava nenhum instrumento também), mas era um amante da música clássica, paixão que passou para mim desde a infância. Conversávamos muito sobre óperas, árias, compositores, tenores, sopranos, etc e tal. E muitas vezes, defendíamos pontos de vista diiferentes só para acirrar uma discussão deliciosa... Ele adorava dizer que Puccini era o maior de todos e eu, só para discordar, falava que era o Verdi. Daí, recorríamos a um aplicativo de música e escolhíamos várias árias para provar a nossa opinião... Ele geralmente deixava "Ó Mio Babbino Caro" para encerrar a discussão (o Nessum Dorma com o Pavarotti era proibido de ser usado como argumento, rsrs). De fato, com ela, sempre concluíamos que Puccini era maior que Verdi, até um próximo embate, é claro.

quinta-feira, 2 de julho de 2020

Quarentena - 2º dia


Dois de abril, quinta-feira...
Fui promovido à condição de enfermeiro... Muitos remédios (contamos doze, diferentes), em horários diversos, com um antibiótico de seis em seis horas. Uma sonda urinária que tinha que ser esvaziada em intervalos bem curtos. Foi pedido para o meu pai beber muita água, pelo menos uns dez copos grandes por dia, por isso o saco coletor de urina, sempre estava cheio. Ele nunca foi de beber muita água, a vida toda, mas agora tinha que fazer isso, quase sempre a contra-gosto. Chegava a ser engraçado ver a reação dele quando eu me aproximava com um copo bem cheio, na hora dos remédios... "Um copão desse para um comprimidinho tão pequeno??? Quantos eu já bebi hoje???" E contávamos juntos os "copos".
 Eu ajudava a minha mãe a cuidar do cardápio diário e do preparo da comida dele... Moleza, pois sempre gostei da alquimia culinária, que é tradição de família e a cozinha é um dos cômodos que mais gosto. Ela é tão sagrada, que uma lembrança de infância era o fato que, nem todos que chegavam em casa, tinham o trânsito livre por ela. Somente os mais próximos eram convidados a sentar-se junto ao fogão, no canto da mesa, com o privilégio de acompanhar o feitio do que seria servido. As visitas não passavam da sala e no, máximo, compartilhavam as refeições no que chamávamos de copa, uma espécie de sala de jantar formal, destinada à comilança em dias de festa, com louça e talheres que ficavam guardados em uma cristaleira (quase nunca era usada no cotidiano).
A cozinha da minha infância ficava no fundo da casa, com a porta diretamente ligada ao quintal, que facilitava a busca de temperos e ervas para o trato diário das nossas necessidades... No quintal grande tinha taioba, funcho, erva cidreira, camomila, hortelã, salsinha, cebolinha, pequenos e saborosos tomatinhos e o sempre necessário boldo.
Neste dia, o meu pai ainda estava bem debilitado e precisava se alimentar bem, mas não tinha muita fome... Então, priorizamos daí em diante, comidas que não fossem muito gordurosas, mas que ao mesmo tempo pudessem agradar o paladar do nosso enfermo. Comigo, eu tinha um pouco de certeza que quanto melhor ele se alimentasse, menos fraqueza sentiria nas pernas e teria mais energia para segurar o andador, correndo menos riscos de queda, como já havia acontecido semanas antes.
Era estranho olhar para o meu pai e vê-lo senil, precisando de apoio para caminhar e, me incomodava a fragilidade do seu andar, com as pernas frouxas e um arrastar de pés... Isso me mexia muito comigo. Ele sempre foi muito forte e seguro nos seus movimentos. Dirigia o seu Classic prata até dois meses atrás... Subia no abacateiro, nas goiabeiras, jogava basquete conosco na quadrinha de cimento grosso lá da chácara. Raramente o via adoentado, mesmo nos surtos de resfriados e gripes que acometiam a todos, o seu Cid nunca era atingido.
Tivemos uma conversa bem longa, no meio da tarde, antes do farto café que é servido lá em casa (tradição desde sempre). Ele me disse que não entendia porque as pernas estavam "bambas"... Já tinha passado por vários médicos e gostaria que algum deles tivesse diagnosticado o problema e receitado um medicamento que o fizesse a voltar a caminhar sem apoios. Ele não sabia, mas todos nós já tínhamos um parecer clínico de um neurologista... Um tumor pressionava a sua coluna (mais precisamente a T3) de dentro para fora, na medula. O quadro era bem grave, principalmente devido a este tumor já ser resultado de uma metástase que ainda ainda não era certa a sua origem.
Por não sentir dor ou qualquer outro sintoma, além da dificuldade em manter-se de pé, o que ele mais queria era voltar a andar... Eu acreditava ser possível, mas naquele momento, o que mais nos preocupava era a hemorragia que o tinha levado ao hospital dias antes. Necessitava-se, em primeiro lugar, acabar com a infecção... Inclusive, a sonda o incomodava bastante.
Além da infecção, do tumor, dos seus problemas físicos, era vital não deixá-lo desanimar... Era necessário o otimismo que ele sempre teve, em relação à tudo, para vencer mais aquela batalha.
Desanimar jamais, sempre manter em alta, a esperança e não deixar abalar a sua fé.
A minha mãe e as minhas irmãs já estavam esgotadas fisicamente e emocionalmente... Decidimos que eu tomaria a frente em todas as ações diretas com ele, pelo menos por alguns dias...Travesti-me de enfermeiro, psicólogo, cozinheiro e cuidador, sem esquecer-me que, acima de tudo eu era filho...
Tive o privilégio de ter recebido a confiança de todos, inclusive dele, em poder participar ativamente da organização da sua rotina... O grande e lendário herói, El Cid, estava agora sob meus cuidados...
Fiquei feliz em ter recebido esta missão e apreensivo em saber se daria conta dela.
Sublime missão.



quarta-feira, 1 de julho de 2020

Quarentena - 1º dia


Primeiro de abril, quarta-feira...
Este dia começou, na realidade, na noite anterior... Funcionou às avessas, como um famoso golpe que foi dado no dia primeiro de abril, mas é "comemorado" como revolução, no dia 31 de março.
Como já havia escrito, no meu caso, o dia primeiro começou na véspera... Ao receber a notícia da internação do meu pai, o senhor Edercides Baptista Penna ou "El Cid", na manhã da terça-feira, me organizei para ir para Franca. Por conta do crescimento dos casos da Covid-19, combinei que a minha esposa me levaria, no final da tarde, e me deixaria próximo à Franca, onde o meu cunhado Luizmar me encontraria e terminaria o trajeto comigo.
Passamos na casa do filho dela, o Luiz, em Jundiaí e seguimos viagem, chegando em Brodowski próximo das vinte e três horas, onde o meu cunhado já nos aguardava... Nos despedimos e cheguei na casa dos meus pais, depois da meia noite (já nos primeiros minutos do dia primeiro).
Noite agitada, de pouco sono e muita ansiedade, dormida na cama de solteiro do quarto de brinquedos dos meus sobrinhos. Café tomado, ainda no frescor dos primeiros raios daquele dia, peguei uma carona com a minha mãe até o Hospital São Joaquim, que os francanos chamam de "hospital da Unimed", entrando no quarto do meu velhinho antes das oito daquela manhã... Já havia uma preocupação com a pandemia, então fui com uma máscara decente, mas percebi que até mesmo os profissionais de saúde do hospital estavam sem os equipamentos tão necessários nos dias atuais (escrevo este texto no primeiro dia de julho).
Confesso que nunca é confortável entrar em um hospital, nem como visitante, mas naquele dia senti um nó bem grande na minha garganta, pois além da preocupação natural com o meu pai, parecia que eu estava pisando em campo minado (volto a repetir, o vírus, desde o princípio, me assustou muito).
Não me lembro o número do quarto, mas por conta da idade dele, oitenta e três anos e por já existirem casos suspeitos por contaminação do corona vírus na cidade (alguns até internados em uma ala específica do hospital), o internaram na maternidade... Foi estranho, pois no caminho até ele, percorrendo corredores e rampas intermináveis, fui cruzando com acompanhantes exultantes e portas decoradas com nomes de crianças e suas respectivas mamães. Imaginei até o interior delas com famílias misturando a alegria da natalidade com a angústia de uma doença ainda pouco conhecida, muito próximas, separadas apenas por alguns corredores...
Ao achar o quarto do meu velho, encontrei ele de muito bom humor, apesar de debilitado por uma hemorragia causada por uma infecção na bexiga, ocorrida na segunda-feira, dia trinta. Estava contando histórias, o que ele mais sabia fazer, e atazanando a caçulinha dele, a minha irmã Érica, que havia dormido lá, o acompanhando...
Ficamos felizes ao nos ver, nós três.
Já fazia algum tempo que eu não viajava para Franca e neste período, cerca de dois meses antes dessa internação, El Cid havia caído na nossa chácara e foi perdendo os movimentos das pernas gradativamente... Nos meus ensaios de me deslocar para visitá-lo, passou todo este período.
Daí, encontrei o meu pai em um leito hospitalar, com uma hemorragia causada por uma infecção na bexiga, com uma sonda urinária e sem firmeza nas suas pernas. Mas, ele estava muito bem humorado, apesar da situação brincando que quase "partiu antes do combinado"...
Nos despedimos da minha irmã e tomamos mais um café juntos, com as sobras que ainda estavam no quarto do seu desjejum.
Conversamos bastante, ele se atentou para o tamanho da minha barba e fizemos um dos nossos programas preferidos, que lembro desde a minha infância: ouvir música clássica.
Como havia levado o meu computador, entrei no Youtube e já recebi a escolha da primeira obra da seleção que rolaria naquela manhã, a "Ave Maria" de Schubert, executada pela orquestra do André Rieu, que ele adorava.
Ficamos ouvindo em silêncio, uma seleção criteriosamente feita por ele, sendo interrompida apenas pelas entradas regulares de enfermeiros e de uma nutricionista. Inclusive, na entrevista feita por ela para o envio do almoço, ficou exagerada uma das características do seu Edercides, as restrições de paladar... Toda atenciosa e gentil, a moça perguntou para ele o que mais gostava e o que não comeria de jeito algum! A resposta foi rápida, jiló... De resto, "gostava de tudo".
Então, a doutora, sugeriu um filé de frango com creme de milho. Ele disse que não gostava de creme de milho e nada que tivesse molhos brancos e cremes na comida.
Decidido, viria só o filezinho.
Como entrada ela sugeriu uma sopinha de legumes... O meu pai sacramentou que também não gostava de sopas, de nenhum tipo...
Ótimo, sem sopa, então, mas poderia ser uma salada... Aí o velhinho concordou, mas que não tivesse tomate com sementes, quiabo, folhas amargas e milho verde em grãos.
Chegaram a um denominador comum e a nutricionista saiu brincando que, de fato, o meu pai não gostava "apenas" de jiló...
Preparados para passarmos uma noite juntos lá no hospital, havíamos até escolhido filmes para assistirmos juntos no meu computador, quando passou o médico, apreensivo com o quadro dele, mas mais preocupado em mantê-lo lá, por conta dos riscos de contaminação.
O meu pai recebeu alta e voltamos para casa depois do "chá da tarde", britanicamente...
Em casa, teve reunião dos Pennas, Limas e Cruvinel, numa boa prosa com a família (em todo este período de isolamento as minhas irmãs se cuidaram muito para continuar visitando os meus pais).
Neste dia, fiz algo que jamais havia feito: dei banho nele.
Confesso que já havia pensado nesta possibilidade de ajuda, muitas vezes antes, mas me pegou de surpresa, pois ele pediu que apenas eu fizesse isso.
Foi um dos momentos mais sublimes dos meus últimos anos, pois a sensação de utilidade, de carinho, de confiança que senti, não consigo detalhar... Ele me dava banhos, quando criança... Ele fazia movimentos cuidadosos para eu não me assustar com a água morna batendo no meu corpo, me ensaboava com atenção e não deixava eu me sentir envergonhado, mesmo quando já era um pouco maior... Isso tudo veio para mim como um instinto e me senti literalmente útil, num reforço de laços genéticos, que me marcou até hoje.
Secar parte do corpo dele, vesti-lo cuidadosamente para não deslocar a sonda, pentear os fios ralos do seu cabelo, foi sublime.
Depois desse dia, foi aumentando a sua autonomia quanto ao banho, a ponto de fazer tudo sozinho poucos dias depois, mas naquele fim de tarde, ele generosamente me permitiu ajudá-lo na plenitude.
Acabamos o "dia da mentira" com a relação mais verdadeira de amor, admiração e respeito que pai e filho poderiam ter.
E eu, aliviado, por tê-lo novamente em casa...