Via Franca

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segunda-feira, 27 de julho de 2020

Quarentena - 27º dia


Vinte e sete de abril... Segunda-feira...
Segundas são sempre segundas... Parece que o astral de El Cid cai um pouquinho após o final de semana... Não é legal acordar e ver ele reclamando que as pernas estão mais fracas e que, talvez, nunca mais volte a andar sem a ajuda do andador ou de muletas. Isso me incomoda em demasia.
Dei corda no relógio de parede também.
É uma tradição de família, este lance de relógio com carrilhão. Todas as casas do lado da parentada paterna tem os seus... Uns mais requintados e estrambólicos, outros menos, mas em todas há a presença do anunciador de horas. O mais antigo está na casa da minha tia, herança do meu avô, que vai ficar comigo. Tem bem mais de cem anos e já não funciona direito, apesar de avaliado em alguns milhares de reais por um antiquário. Não tenho a intenção de vendê-lo, mas não aqui no meu minúsculo apartamento não há um pé direito razoável para pendurá-lo, por isso ele segue no seu local original, lá no bairro da Ponte Grande, em Guarulhos, com promessa de devorar ainda mais gerações dos Pennas (já passaram quatro, pela sua voraz caixa de imbuia).
O do meu pai, é mais novo, com caixa de cerejeira, mais clara, e que anuncia a sua presença a cada quinze minutos... Três badaladas para um quarto de hora, seis para meia hora e assim por diante, sempre finalizando as horas cheias com o total de badaladas extras relativos ao número delas.
A minha vida inteira vi o meu pai dando corda nele, sempre às quartas-feiras, zeloso para não tirá-lo do prumo e, com isso, não interromper o seu funcionamento. Depois, de parar algumas vezes, adaptamos-o aos domingos, para receber impulsionamento, já que irá fazer isso será o meu cunhado. Mas, como estou por aqui, sou lembrado pelo meu pai para fazer isso na segunda de manhã, com os raios solares invadindo a porta de vidro da sala de jantar (que nós, caipiras, chamamos de copa) da casa lá de Franca.
Seu Edercides também tem um outro relógio também, que me foi prometido, mas que só era usado em ocasiões especiais, como jantares em restaurantes, missas e festas mais sociais... É um Technics de pulso, que funciona com o balançar do braço, que muitas vezes, enquanto adolescente foi surrupiado para ser ostentado em alguma ocasião que eu precisasse impressionar alguém (bons tempos que um relógio suíço ainda rendia alguma admiração de uma garota ou amigo).
Nunca curti muito usar relógio e, hoje, ainda menos, pois com a gatunagem aumentando consideravelmente e o celular com os seus alarmes me avisando até da hora dos remédios e programas televisivos preferidos, ele ficou ainda mais descartável, sem utilidade que não seja decorativa.
Mesmo assim, ainda tenho nos meus contatos da agenda telefônica, os números de alguns relojoeiros, como o tradicional e conceituadíssimo Olavo, lá de Franca, um dos poucos que confiaria a tarefa de manutenção nos carrilhões da família, sem medo de ser enganado ou ter a substituição indevida de peças, das duas relíquias...
E, parafraseando o meu sempre bem humorado pai, "não há nada completamente errado no mundo, pois até mesmo um relógio parado, vai estar marcando a hora correta, duas vezes por dia"...


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