Via Franca

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sexta-feira, 7 de agosto de 2020

Quarentena - 38º dia

Oito de maio... Sexta-feira...

Véspera da festinha de dois anos da netinha dele, a Dudinha... A comemoração seria na casa da minha irmãzinha caçula, a Érica... Mesmo quase dois meses depois do aniversário mesmo dela, a comemoração seria feita, apenas para "os de casa"... Como nos outros dias, El Cid, estava reclamando um pouco da demora em poder voltar a andar, naturalmente, sem apoio ou ajuda de andador.

Ele tinha uma característica que era bem peculiar... Tinha uma facilidade invejável de decorar nomes... Se orgulhava de saber todas as capitais dos países do mundo... Era divertidíssimo conversar sobre isso com ele, pois além de me citar o nome da cidade, também contava alguns detalhes sobre a maioria delas 9as preferidas eram aquelas que tinham alguma relação com a Antiguidade) e ainda existiam... 

O amor dele por mapas era único também. Tinha um atlas e um guia que sempre consultava quando ouvia sobre os lugares... mesmo quando conhecia bem, ia dar uma conferida lá...Antes de qualquer viagem nossa, ele pegava o Guia Quatro Rodas do começo dos anos 2000 para verificar as cidades que passaria no caminho para contar histórias delas no carro (nas últimas décadas virou passageiro, então tinha muito tempo para ficar "observando as paisagens" no deslocamento, característica que herdei dele, com certeza)... Desde criança, nos dinos da Viação Cometa, El Cid vinha narrando as localidades que estariam no caminho até  terminal rodoviário da Praça Júlio Prestes (aquele com acrílicos coloridos, bem psicodélico, que não existe mais)... Anuncia com boa antecedência, sempre com alguma história pessoal naquelas que ele já tinha pisado, Batatais, Brodowski, Ribeirão Preto (a sua preferida, que nutria "falsa rivalidade", rsrs), Cravinhos, Porto Ferreira, Pirassununga, Leme, Araras (que a Érica quando criança perguntava se era "Araras Quaras"), Limeira (a parada mais antiga para banheiro, onde ele se levantava antes mesmo da chegada, para deixar bem claro que conhecia bem o trajeto), Americana, Sumaré, campinas, Jundiaí e São Paulo... Quando eu viajava sozinho, mesmo fora do Brasil, ele usava oseus livros e material de consulta para conversar comigo sobre onde eu iria... Era detalhista, pois gostava de saber sobre pequenos trechos, específicos, que eu poderia não ter atenção... Era extasiante, quando me apontava algum detalhe que tinha me fugido, no meu planejamento e íamos pesquisar juntos, no meu celular ("filho, dá uma olhada sobre isso...")...

Por falar em viagens, era o único, notem a palavra que usei, o único, que me pedia para ver as fotos das minhas viagens... Como adorava ver fotografias... Eu fazia uma segunda viagem quando as mostrava para ele... Inclusive, em muitos lugares os cliques eram feitos para uma posterior conversa com ele... Lembro-me quando fui para o  meio oeste americano, em julho de 2018, e fotografei Monument Valley de diversos ângulos... Divertimo-nos muito, depois, tentando lembrar de filmes de faroeste rodados naquelas paisagens... Eu tirava muitas fotos para ele, pois tinha a certeza que o meu pai, viajava pelo meu olhar. Eu sabia que ele jamais conseguiria conhecer as paisagens das novelas de cavalaria, o solo onde Cristo percorreu, os desertos de beduínos e tuaregues, os portos de onde saíam barcos vikings, as montanhas disputadas por indígenas e colonos americanos, as cidades das "mil e uma noites", a Itália de Puccini... Então, eu viajava também por ele.

Os velhos álbuns de fotografia, cuidados com esmero e guardados até hoje dentro do móvel da sala, são testemunhas da sua paixão em registrar momentos importantes da nossa família... Temos uma linha de tempo rica, organizada por ele... Uma pessoa que gostava de ficar em casa, mas também amava lugares distantes. Com isso, assistia muita TV e amava programas de viagens e documentários, onde um dos seus preferidos era o "Brasil Visto de Cima", religiosamente assistido todos os dias que passava... Quando eu estava em Franca, víamos juntos... Ele adorava "trocar uma ideia" sobre os lugares que eu já havia passado, visitado e que era mostrado no programa ("você viu isso lá, filho?", "não é aquilo que apareceu na foto que você me mostrou"?)... Confesso que até hoje, não consigo assisti-lo mais... Dá um aperto no peito... Tenho que superar isso.

O meu amor pela história e geografia, vem bastante da influência do meu pai... Os velhos álbuns de fotografia, cuidados com esmero e guardados até hoje dentro do móvel da sala, são testemunho disso.


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