Via Franca

Via Franca

sábado, 1 de agosto de 2020

Quarentena - 32º dia

Dois de maio... Sábado...
Hoje mais disposto, foi receber o entregador de gás... Conversaram um pouco sobre a vida e El Cid ficou feliz em receber votos de melhoras... Ele valorizava muito ter a simpatia das pessoas que não tinham uma convivência diária com ele... Gostava mesmo de agradá-las e ser útil, até mesmo aos quase estranhos.
Hábito comum no interior é a pescaria.
Hoje em dia, com rios poluídos e poucos peixes à disposição, cresceu o número de pesqueiros, os famosos "pesque e pague".
Mas, no tempo que ainda se "amarrava cachorro com linguiça", a atividade era feita à beira de rios e córregos, sentado no barranco, municiados com varinha de bambu e minhoca.
Lembro-me das minhas primeiras pescarias ao lado do meu pai.
Íamos sempre em número suficiente para evitar qualquer tédio, caso não aparecesse algo que quisesse se submeter aos nossos anzóis.
A preparação começava na véspera, com a escolha da vara correta, específica para cada tipo de peixe.
Eu era encarregado de conseguir um bom número de anelídios, que eu buscava nos canteiros da horta dos fundos da casa da minha avó.
Tinha que fazer escondido, pois aquela história que "cada enxadada era uma minhoca" é coisa do folclore futebolístico. Eram muitas enxadadas, que deixavam os canteiros praticamente destruídos, por isso tinha que fazer em um horário que ela não estava na residência.
E, depois tentar ajeitar um pouquinho as cenouras, beterrabas e almeirões caídos.
Compravam-se mantimentos e muita cachaça (pena que o excesso e bebida acabava com a pescaria de algumas pessoas). Para a molecada fazia suco de groselha, que era colocado em garrafas limpas de leite. Nos dias mais frios também levava-se, em garrafas térmicas, café e um pouco de chá de cravo, para amenizar o frio úmido e cortante da beira do rio.
Não existia vestimenta específica para a pescaria.
A minha mãe só deixava eu usar uma roupa bem velha, complementada por botinas e um boné.
O transporte era uma velha Rural do meu tio, que ia apinhada de tralhas e pessoas.
O almoço era feito no próprio lugar, em uma parte mais afastada do rio, entre as árvores.
Lembro de uma vez, que El Cid fora encarregado de fazer o almoço, mas cozinhar não era o seu ponto forte, rsrs... Foi inesquecível... Ele lavou bem os grãos, escorreu, picou cebola e alho e colocou para refogar em uma pequena porção de óleo de milho, junto com o arroz.
Tanto arroz que quase chegou até a boca da caçarola (era muita gente).
Completou com água e ficou observando a sua grande aventura culinária, comigo ao lado, dando uma força.
Depois de um tempo, vimos que a tampa da panela estava estufando com o arroz crescendo e quase saindo da mesma. Ele não pensou duas vezes: colocou uma pedra em cima da tampa.
Naquele dia, os peixes foram "cevados" com uma pelota de arroz bem temperadinha e nós passamos a Biscoito Mabel.
Lembro-me também das várias histórias que o meu pai contava, como o dia que ele deu um banho em um tiziu (um passarinho preto, bem pequenininho, que dá pulinhos e emite um som parecido com o seu nome).
Ele estava pescando lambaris, praticamente imóvel, com aquela varinha bem fininha de bambu, quando um tiziu sentou na ponta dela.
O bichinho pulava e gritava "tiziu".
Dava um pulinho e caía no mesmo lugar.
Aquilo foi incomodando tanto o meu pai, que ele esperou um novo pulinho e tirou a varinha rapidamente.
Sem o apoio, o passarinho caiu dentro da água e só não se afogou, pois é uma avezinha safada, que adora tomar banho, saindo rapidamente para chacoalhar as penas em um galho de um jambeiro, poucos metros dali.
Eu adorava ouvir também as histórias de peixes grandes, cobras e assombrações que ele sempre contava. Confesso que eu mesmo nunca tinha presenciado nenhum desses três elementos nas nossas pescarias.
Além das histórias, das gargalhadas e da chuva, que sempre nos pegava, fica na minha memória o sabor delicioso dos lambaris (os únicos que pescávamos) bem limpinhos, batidos no fubá e fritos em óleo bem quente.
Ah, e também do Rio Sapucaí, com as suas curvas e tanta discrição. 




Nenhum comentário:

Postar um comentário