Via Franca

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quarta-feira, 16 de junho de 2010

Gringos brasileiros


Sei que esse blog é mais para dicas de lazer, viagens e passeios interessantes em São Paulo, mas não resisti em escrever sobre algo bem peculiar da nossa cultura...
Conversando dias atrás com uma amiga de Franca, pelo msn, enviesamos pelo lado das coisas da nossa infância e chegamos nas músicas que ouvíamos.
Além do caipira (como as famosas duplas sertanejas) e o brega romântico, que já crescia na época, também escutávamos muito uma música romântica cantada em inglês, que só era tocada nas rádios e vendida nos discos (os saudosos bolachões). Nunca conseguíamos assistir esses cantores pela TV ou ficar sabendo de algum show deles em nenhum lugar do Brasil ou do mundo.
Era super estranho, pois só eram escutados, jamais vistos.
Mas, mesmo assim compunham os hits que embalavam os bailinhos da nossa infância e pré-adolescência.
Tinham nomes pomposos como Tony Stevens, Mark Davis, Paul Denver, Morris Albert, Chrystian, Patrick Dimon, Dave Maclean, entre tantos outros.
Havia também grupos e bandas que se revezavam nas paradas de sucesso com outras tantas já conhecidas internacionalmente, entre elas os Pholhas, Light Reflections e as gatinhas das Harmony Cats.
Era comum acontecer o lançamento dos maiores sucessos das novelas em dois LPs, um com sucessos nacionais e o outro com os internacionais (onde apareciam boa parte desses cantores e grupos).
Com o passar do tempo o sucesso deles foi diminuindo e com o maior espaço dado à música brasileira nas rádios e TVs, desapareceram na década de 80.
Só depois de adulto, já em São Paulo é que eu fiquei sabendo que os meus antigos ídolos estrangeiros eram na realidade: brasileiros!
Uns nascidos no Rio de Janeiro, outros em São Paulo, alguns na Bahia, etc., etc., etc...
Alguns deles, inclusive, se tornaram cantores famosos na nossa língua pátria.
Por exemplo, o tal do Mark Davis era na realidade o Fábio Jr.
Isso mesmo, o Fábio Jr., aquele do “obrigaduuuu”, do “Pai”, que virou até ator em algumas novelas globais.
O Tony Stevens era o Jessé, uma das mais lindas e afinadas vozes masculinas que eu já conheci, intérprete de vários hits famosos como “Porto Solidão”, que partiu muito cedo, em um acidente automobilístico perto da cidade natal da minha mãe, Ituverava.
O tal do Chrystian fez dupla sertaneja com o seu irmão Ralf, emplacando diversos sucessos nas décadas seguintes.
E outros desapareceram da mesma forma que surgiram, envoltos em um grande mistério, onde não tivemos mais nenhuma notícia após o sucesso de hits únicos.
Na época, lançavam os seus sucessos (lindas composições, por sinal) em discos coletivos sob a marca Hits Brasil (com as bandeiras dos Estados Unidos e Brasil) ou então em compactos com apenas duas músicas (os mais novos nem sabem o que é isso).
Mas, o mais importante era que esses “falsos gringos” eram músicos competentes, geralmente a frente de bandas de bailes ou então músicos de estúdios. Por isso, emplacavam grandes sucessos.
Para se ter uma idéia do alcance dessas músicas, o mais famoso deles, Morris Albert (o carioca Maurício Alberto Kaiserman), autor de “Fellings”, emplacou o seu sucesso em mais de 50 países e teve regravações até de Frank Sinatra e Julio Iglesias. Depois de se tornar um dos hits mais tocados em todos os tempos, amargou um processo de plágio na corte americana e teve que pagar mais de 3 milhões de dólares para um compositor francês.
Tinham histórias interessantíssimas como a do brazuca Terry Winter (quem poderia desconfiar que ele era brasileiro), que revelou a sua verdadeira identidade no programa do Sílvio Santos (um dos mais assistidos da época). Um dos seus maiores sucessos foi “Summer Day” (linda, linda). Outro foi “Our Love Dream”. Nessa sua revelação disse que mudaria de nome para Thomas Williams (o que nunca fez). Na realidade, deixou de cantar, mas continuou a compor com o pseudônimo de Chico Valente (esse sim, bem brasileiro), se engajando no estilo sertanejo. Junto com o parceiro Nil Bernardes (ou Neil Bernard, com quem compôs “Summer day”), fez um dos maiores sucessos da década de 90, a música “Rei do Gado” (sim, aquela mesma da novela).
O mais interessante disso tudo é que muitos desses artistas não entendiam patavinas de inglês!
Isso mesmo!
Não sabiam falar quase nada do idioma que cantavam.
Por isso, evitavam aparecer em programas de TV e, principalmente, fazer shows ao vivo.
Deveria ser frustrante, pois vendiam milhões de discos e não podiam capitalizar mais com apresentações nas diversas cidades do nosso país, pois seriam facilmente “desmascarados”.
Então, como conseguiam compor?
Pesquisei na internet e retirei essa notícia de uma antiga edição da Revista Veja (edição de 1999, época de relançamento de alguns hits, no Cd Hits Again, da Som Livre).
Veja só:
“(...)Em geral, os artistas aprendiam a pronunciar palavra por palavra das letras em sessões de gravação que duravam até quinze horas. "As letras eram compostas por quem não sabia nada de inglês e corrigidas por quem tinha alguma noção", diz Hélio Costa Manso, ou melhor, Steve MacLean, que fez sucesso numa carreira-solo e como integrante do conjunto Sunday. Os Pholhas tinham um método original de compor. Eles tiravam os versos de suas canções de um livro dos anos 30 chamado Inglês Como Se Fala. "A gente achava uma frase legal, copiava e depois tentava emendar com outras do mesmo livro", confessa Oswaldo Malagutti, ex-baixista do grupo.(...)”
Vale a pena conferir.
Entrem no You tube e procurem alguns desses sucessos.
Eu separei alguns deles, de acordo com a minha memória e preferência.
Segue a lista com as dicas...
- TERRY WINTER – “Summer Holiday” e “Our Love Dream”
- PAUL DENVER – “Rain and Memories’ (com o indefectível refrão “I confuse the rain with memories”)
- EDWARD CLIFF – “Nights of September” (essa merece uma atenção especial, pois parecia um indiano cantando em inglês). O verdadeiro nome desse cantor, que tem deficiência visual, é Jean Carlos e vocês ainda podem vê-lo interpretando músicas religiosas no canal “Século XXI”.
- TONY STEVENS (o Jessé) – “If Could Remenber”
- MARK DAVIS (o atual Fábio Jr.) – “Don’t Let Me Cry”
- CHRYSTIAN (sim, o sertanejo da ex-dupla com o Ralf) – “Please Don’t Say Good Bye”
- MORRIS ALBERT – “Fellings”
- SUNDAY – “I’m Gonna Get Married” (fantástica)
- PETE DUNAWAY – “You’re The Reason”
- GLENN MICHAEL – “Just Imagine”
- JULIAN – “Angel”
- o grupo LIGHT REFLECTIONS – “Tell Me Once Again” (aquela que virou versão do Ney Matogrosso: “Telma Eu Não Sou Gay”)
- DAVE MACLEAN – “We Said Goodbye” e “Me And You”
- o ainda ativo grupo PHOLHAS – “She Made Me Cry” e “My Mistake”
- PATRICK DIMON (que eu encontrei morando no Ceará, em Fortaleza) – “Pigeon Without a Dove”.
Confiram essas preciosidades. Com certeza, vocês vão gostar de muitas delas ou então achar que, de fato, eram americanas ou inglesas de verdade (menos aqueles que dominam muito bem o idioma do Shakespeare, é claro).

Um comentário:

  1. Nossa! eu nuuunca iria imaginar isso! hehe
    Muito interessante mesmo!
    Abraço!

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