Via Franca

Via Franca

terça-feira, 4 de agosto de 2020

Quarentena - 35º dia

Cinco de maio... Terça-feira...
Seguem os exames preparatórios para a radioterapia... A maior esperança do meu pai é voltar a caminhar sem o uso de apoio... Ele chegou até a confidenciar para a minha mãe, que se não voltasse a caminhar, perderia todo o sentido de "continuar seguindo".
A nossa família é bem sólida e sempre foi valorizada por El Cid e pela dona Elenice... Mas, mesmo eu e as minhas irmãs criados de maneira idêntica, crescemos com características e personalidades muito distintas.
Como primogênito eu sempre fui o "centro das atenções", mas sofri um baque com o nascimento da Eliane, minha primeira irmãzinha, aos meus cinco anos de idade.
Inicialmente, tive muita curiosidade e até curti, mas quando tive a certeza que deveria dividir as atenções gerais também com aquela pequenininha, foi terrível...
Baixou o ciúme... Nunca me deixaram esquecer que no primeiro aniversário dela, a minha mãe teve que espalhar os brinquedos pelas duas camas, cantar parabéns para os dois e fingir que comemorava alguma coisa também para mim. os parentes até tinham se acostumado com os ataques de choro e birra, quando a pequenininha recebia mais atenção.
Independente disso, crescemos com aquela boa cumplicidade de irmãos (uma exigência dos meus pais), sempre unidos, socializando brincadeiras, aprontando muito e sofrendo todas as consequências, também juntos, das incontáveis travessuras.
As brigas eram comuns, mas foram diminuindo com o tempo.
Até que, surge uma nova pessoinha.
Quatro anos mais nova que a Eliane, era ainda mais mimada e protegida do que nós, os mais velhos.
Sempre foi bonitinha, calma e muito meiga, por isso todos se encantavam com ela, principalmente nós, seus irmãos.
Morávamos numa casa muito pequena, de fundos, na Rua Francisco Társia, bem no coração da Vila Nova, construída no quintal do terreno da casa da minha avó. Tinha dois quartos que, antes da chegada da caçulinha, eu tinha exclusividade em um deles e o outro era dividido entre os meus pais e a Eliane.
Com mais uma criança na casa, comprou-se um beliche para acomodar a Eliane e eu no quarto que antes era só meu e o bercinho passou a ser ocupado pela Érika.
É claro que, essa obrigação de dividir o espaço do pequeno quarto, fez surgirem novas rusgas entre os irmãos mais velhos. Brigava-se por quase tudo, mas principalmente pelas preferências distintas, em relação à iluminação do quarto. Eu, que dormia na parte de cima e tinha a luz bem no meu rosto, queria a lâmpada apagada. A minha irmã do meio que, por dormir embaixo, tinha uma pequena penumbra proporcionada pela presença da cama de cima e tinha muito medo do escuro, queria o quarto iluminado (dizia que a escuridão lhe dava "falta de ar"). E a caçulinha, no quarto dos meus pais, reclamava que não conseguia dormir por conta da bagunça no nosso quarto.
Hoje, todos lembramos com graça disso tudo, pois chegava a ser uma cena de "comédia pastelão"... Eu descia do beliche e apagava a luz. A Eliane esperava eu subir de volta, me cobrir, e ia até o interruptor e acendia-a. Eu descia, apagava-a novamente, ameaça a minha irmã e voltava para a cama... Ela esperava um pouco e acendia de novo.
E, assim a noite avançava, com um fim só quando algum dos dois cedia.
Mas, a história que eu e meu pai lembramos nesta data, foi um dia que ninguém cedeu e, por isso, começou uma algazarra infernal. Daí, El Cid, bem impaciente, exaurido por um dia cansativo e influenciado pelos pedidos da irmãzinha menor que não conseguia dormir (na realidade eu acho que ela queria estar conosco, no fuzuê), resolve intervir.
Vai até o quarto, chama a nossa atenção de maneira ríspida e decreta:
- "Se eu ouvir mais um pio neste quarto, os dois vão dormir quentes (é fácil entender o que é dormir quente, né?)..."
Quando tudo levava a crer que a paz estaria reestabelecida naquele local, armistício decretado, ele vira as costas e a Eliane sacramenta:
- "Piu..."
Gargalhada geral, uma boa surra e a caçulinha no outro cômodo, de alma lavada pelo corretivo aplicado, vibrava: "isso, papai, bate mesmo nesses moleques..."
E, assim, era sedimentada a união de nós três, que existe até hoje entre eu e as minhas irmãs.




Nenhum comentário:

Postar um comentário