Via Franca

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domingo, 17 de fevereiro de 2019

Seminário "Questão indígena, os museus e a escola"


Participei na sexta-feira e no sábado do seminário "Questão indígena, os museus e a escola" que aconteceu no Instituto Moreira Salles (IMS) da Paulista e no Memorial da Resistência. Foi organizado pelas duas instituições mais o Museu de Arqueologia e Etnologia (MAE) da USP.
Além de professores/educadores estavam presentes representantes do educativo dos três museus, os seus respectivos coordenadores, alguns interessados leigos, entre outros. A grande maioria dos presentes eram da escola pública (principalmente da rede municipal de São Paulo).
Foi instigante, estimulante e altamente provocativo, além de mostrar informações atualizadas sobre os rumos da questão indígena no nosso país. Para mim, foi um "soco no peito" bem dado, daqueles que te deixam sem ar por alguns momentos... Mostrou o quanto a nossa população (me incluo neste universo) é desinformada e negligente sobre a atual situação dos povos indígenas no Brasil. E também quanto a escola é omissa no trato dela. Mesmo com a obrigatoriedade imposta pela lei 11.645 (que está ameaçada pelo atual Ministério da Educação) os docentes e seus pupilos ainda sonegam o tempo necessário para discutir as questões mais relevantes dos índios remanescentes no nosso país. Inclusive, com conteúdos ainda baseados numa visão colonialista e distorcida sobre os habitantes originais de Pindorama. Alei, muito discutida nas várias rodas de conversa, descumprida pela maioria das instituições escolares ainda traz uma brecha de não obrigatoriedade das informações e trabalho (com disciplinas específicas) nas faculdades e universidades de licenciatura espalhadas pelo país, que teoricamente são formadoras de futuros professores.
Eu vou escrever e publicar neste blog, uma postagem específica sobre cada um dos momentos este evento, mas consigo fazer agora um resumão sobre as suas atividades.

Na parte da manhã do primeiro dia, o debate foi com o curador da exposição sobre o povo Yanomâmi no IMS, Thyago Nogueira, que passou uma breve descrição da fotógrafa e ativista Cláudia Andujar (ou Cláudia Yanomâmi, como ela gosta de assinar), destacando a sua trajetória de vida, que passou pelos horrores da perda família paterna (e do prórpio pai, judeu) nos campos de extermínio nazistas. E como culminou com o ativismo e documentação dos Yanomâmis... Depois, veio a fala do genial e muito lúcido Ailton Krenak, que deleitou a plateia com o seu conhecimento acadêmico e prático sobre a questão indígena. Discutiu muito os esteriótipos, a perseguição histórica aos povos nativos pelo colonialismo (ressaltando que acontece até hoje) e especificou como a escola pode ser aliada no combate a eles... Temas atuais como o rompimento das barragens de rejeitos de mineração, do avanço do agronegócio e mineradoras sobre terras e reservas indígenas, a decadência da qualidade de vida destes povos, a perseguição política a líderes e ativistas e até a prática de extermínio (genocídio mesmo) de séculos também vieram à tona neste debate. Saí de lá, extasiado e ao mesmo tempo muito incomodado.

À tarde, foi feita uma visita guiada à exposição da Cláudia Andujar (7º e 8º andares do MIS) com a equipe do educativo do museu, com um longo bate-papo e reflexões com o grupo de educadores e coordenadores do local. Como eu já conhecia o trabalho dela (há uma galeria inteira no Museu do Inhotim, em Brumadinho, Minas Gerais) não tive o mesmo impacto que alguns presentes que estavam em contato com a obra pela primeira vez. Mas, como sempre saí com uma mistura de encantamento e aflição... Valeu muito para complementar o que foi discutido na parte da manhã.
No sábado, segundo dia do encontro, nos reunimos no Memorial da Resistência, bairro da Luz. 
Local emblemático que guarda uma memória obscura dos períodos de atuação do famigerado Deops no país. Já fomos recebidos por vídeos de rituais e músicas dos Tupinambás e pela maravilhosa música cantada por vários artistas (indígenas e não-indígenas) que lembra a importância da demarcação das terras ("Demarcação Já).

Como no dia anterior, a parte da manhã foi com uma mesa redonda que contou com a presença das coordenadoras do MAE (Marília Xavier Cury) e do MR (Marília Bonas), além de lideres dos Kaingangs do oeste paulista, a pajé Dirce Jorge Lipu Pereira e Susilene Elias de Melo, mais o brilhante Casé Angatu Xukuru Tupinambá, de Olivença (BA).
Já escrevi no início que farei publicações individuais de cada da deste evento, mas vale resumir o que foi debatido. A questão central foi a violência do processo de apagamento da herança indígena, que é histórica, mas que ainda continua intensa no século XXI. Muitas palavras contra a força da Bíblia (imposição cultural) e da bala (violência física) contra as diferentes comunidades, próximas à cidade ou "protegidas" por áreas mais isoladas (as aspas são necessárias). Foram listadas dificuldades de fixação nas suas terras originais e na continuidade da sua cultura e costumes, além da ameaça de morte (muitas consumadas) contra os seus principais líderes. Momento intenso, de muita reflexão e revolta contra a omissão e descaso de todos nó brasileiros.

Depois do almoço, fomos visitar a exposição "Ser essa terra: São Paulo cidade indígena", no 3º andar do memorial, com os seus curadores Daniel Kairoz e Marília Bonas nos ciceroneando... Como o próprio nome já diz, retrata a presença histórica e atual de povos indígenas na cidade de São Paulo e arredores. Após a visita, um dos educadores do MAE-USP, Maurício André da Silva fez uma roda de conversa sobre a exposição de março também de temática indígena de grupos do meio oeste paulista (no caso Kaingang, Terena e Guarani Nhandewa) intitulada "Resistência Já! Fortalecimento das culturas indígenas".
Os dois dias me trouxeram muita reflexão e criaram um sentimento de inatividade, quebrado pela necessidade de ação. Com certeza, levarei estas discussões adiante e espero atuar mais positivamente nesta causa que acredito muito e julgo fundamental para a continuidade da história brasileira como nação soberana...
Como disse o Casé Angatu,: "Dizem que no Brasil todo mundo tem sangue de índio. Só que em alguns correndo pelas veias; em outros nas mãos"... A nossa omissão também corrobora com este extermínio.




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